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"Engolimos de uma vez a mentira que nos adula e bebemos gota a gota a verdade que nos amarga." Denis Diderot

domingo, 30 de dezembro de 2018




Crônica banal

Para que mesmo retrospectiva, se o momento atual reflete o que se viu o ano inteiro, e a gente ainda segue abatido com as perdas que tivemos de pessoas tão queridas?! Eu bem que podia ter ficado em casa nesse penúltimo dia do ano, mas inventei de me aventurar nessa selva de cidade e, de cara, passo no banco e estranho não ver aquele vendedor de bugigangas que costuma ficar na calçada, o que para mim não é um bom sinal: e realmente, não havia dinheiro nos caixas eletrônicos (pra variar). Nem os ar condicionados estavam ligados. Era uma verdadeira sauna de lisos. Mas sigo em frente. 



Passando no sinal, percebo que está funcionando apenas o amarelo, que pisca sem parar. Vai endoidar um trânsito que já é caótico por aqui. Mas eu estava com o propósito de tentar a sorte, afinal, toda essa dinheirama da “Mega da Virada” vale qualquer esforço (mas será que vale mesmo para mim?!). Não perdi a viagem porque no caminho me encontrei com velhos e bons amigos, também pude dar um abraço na minha filha, em plena feira, e pude também contemplar, ao fundo, no vale, os ipês amarelos que por essa época “apenasmente floram”, como cantou o Belchior. Mas na loto eu desisti do jogo. As filas eram enormes. Como eu bem conheço a sorte que tenho, por sinal, da mesma intensidade dessa minha paciência, deixei os possíveis milhões para lá. 


Como prêmio de consolação fiquei imaginando que essa grana me resolveria alguns problemas, mas também me traria outros tantos. Descendo a ladeira, à caminho de casa, resolvo dar uma entradinha numa certa loja da cidade, meio cabreiro, porque recentemente um camarada escreveu aqui que lá esteve e percebeu que os funcionários recebem a gente com caras feias. Corri logo para a seção de CDs e DVDs, aquela mesma que o amigo falou em sua postagem. Pois não é que é verdade: lá só encontrei caras feias.
Que nos venha 2018!
(Eliel Silva – 30.12.2017)



E por falar em retrospectiva...

Uma cena que não sai da minha cabeça, cuja imagem reproduzo aqui, aconteceu recentemente no Especial de Roberto Carlos. Um Gilberto Gil sorumbático, visivelmente abatido pelos constantes problemas de saúde que enfrentou nos últimos meses, e mesmo assim, sereno e firme na voz e no violão. Caetano pareceu respeitar o momento e ficou meio contido no palco, logo ele, uma força estranha. Roberto, sempre receptivo, inconscientemente fez um mea culpa por não ter incluído no seu repertório (de discos e de shows) uma canção enigmática do Gil. Mandar "tudo pro inferno" pode parecer café pequeno se comparado às visões fantasmagóricas e apocalípticas de canções como "Eternas Ondas" (Zé Ramalho) e "Se Eu Quiser Falar Com Deus" (Gilberto Gil), oferecidas ao Rei, mas que ele, segundo informação da época, se assustou com a letra da primeira, o que é bem possível ter ocorrido com a segunda também, e se recusou a gravá-las. Velhos mestres da nossa canção. E cada um, à seu modo, vai cumprindo a sua sentença.
(Eliel Silva - 30.12.2016)

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Eu e o caixa eletrônico
(1 x 0 para mim)


A crônica que vou escrever agora não tem nada de extraordinário. E na verdade, eu nem pensei em escrevê-la. Mas a minha filha pediu, e a um pedido de filho eu me rendo.
Mais uma vez lá eu estava, numa daquelas enormes filas, numa agência bancária daqui da cidade. E, apesar da pouca perspectiva dela caminhar mais rapidamente, eu estava sereno. É que eu já havia explodido hoje, o que me fez muito mal, e a outras pessoas também. Então pensei: a minha cota de vexame por hoje já atingiu o seu limite máximo. Tratei de ficar calmo. Faltavam umas cinco pessoas para chegar a minha vez, e de repente: puf! O caixa eletrônico apagou. O rapaz que o estava usando no momento, ficou desapontado. Os demais alí daquela fila, todos xingando o “sistema”, se dispersaram, procurando outros caixas, sendo que para isso, claro, tiveram que enfrentar outras filas. Não sei o que me deu, fiquei ali, parado, sem ação, e na esperança que algum funcionário capacitado fosse lá resolver a situação daquela máquina. Nem precisou. O caixa voltou a funcionar sozinho, e dessa vez eu ali, diante dele. Não pensei duas vezes. Inseri o cartão e solicitei uma certa quantia em dinheiro. Peguei a grana, nem conferi, bati de volta pra casa. Quando cheguei, fui dar destino ao dinheiro, e foi aí que percebi que tinha um valor superior ao solicitado. Pensei no ocorrido, naquela pane da máquina, e me lembrei do rapaz que a estava usando naquele exato momento, e que não pode concluir a sua operação. “Esse dinheiro não é meu”. Foi o primeiro pensamento que me veio. E logo tirei de volta para o banco para fazer a devolução. Procurei o gerente, expliquei o ocorrido, e ele cuidou em fazer a verificação no sistema, tirando um relatório da movimentação daquele caixa. Estava lá, tudo gravado. Pedi que me fornecesse um recibo, constando que eu havia devolvido aquele valor ao banco, o que foi feito, e saí dali aliviado. O gerente me agradeceu pela minha atitude e honestidade, um guarda que também presenciou a ação também veio apertar a minha mão. Eu, sinceramente, pelo que sei de mim, achei o que fiz muito natural. Não quero nada que não seja meu de verdade. Meus filhos sabem muito bem disso, e é o que tenho passado para eles. E sei que se orgulham de mim nesse sentido. Isso pra mim é tudo. A tecnologia falhou e quase prejudica um trabalhador, que foi em busca do seu salário. A máquina teve o seu direito de errar, mesmo com as suas engrenagens, os seus controles e seus chips programados. Eu até teria. Mas ao invés de chip, funcionou a minha consciência. (Eliel Silva - 04.12.2015)