Ouvir um disco do Bob Dylan para mim é algo bem corriqueiro. Mas hoje eu senti a necessidade urgente de ouvir este álbum em particular. Penso que algumas pessoas que costumam ler os meus posts certamente irão ignorar esse de agora, por achar que lá vou eu viajar no tempo, falando de mais uma bolacha preta. Mas na verdade a minha intenção não é falar sobre ele, e nem do cantor. Quero aqui e agora recordar uma passagem da minha vida com um amigo, também fã do velho bardo de Duluth, Minnesota, Estados Unidos. Tempos atrás recebi um presente de um camarada que eu mal conhecia. Fui a sua casa para ver os seus discos e ele, de cara, me deu de mão beijada o álbum duplo Self Portrait. Se o disco era uma raridade, raro também foi a sua atitude. E ele me fez apenas uma recomendação: ouvir com atenção a faixa “Take A Message To Mary”, a sua preferida, segundo ele. Pois é. Ganhei esse presentão, num tempo que não era nada fácil adquirir esses vinis por aqui. E agora no inicio da noite fiquei sabendo através do compadre Lisboa, de Natal, que o velho amigo, Walter é o nome dele, foi encontrado morto na casa da sua mãe na manhã dessa segunda feira das almas. Uma tristeza!

Imagine eu chegar na casa do Walter, que eu acabara de conhecer, lá pelos idos de mil novecentos e noventa e pouco, e o cara, já no primeiro encontro, me dar de presente um álbum duplo da sua coleção. Daí em diante a nossa amizade se solidificou. Ele estava sempre presente nos primeiros Tributos a Raul Seixas aqui em Ceará-Mirim, como mostra essa foto do acervo do Ruy Lima. Da esquerda para a direita: Walter, Ruy, eu, Reginaldo e Lisboa. No Centro Esportivo e Cultural de Ceará-Mirim, num dos primeiros Tributos ao Maluco Beleza. Com o tempo a sua aparição por aqui foi ficando escassa. Nos contaram que a sua vida desandou. Se separou da esposa, com quem tinha um filho muito querido, e andava absorto, entregue a bebida e outras substâncias. Pelo menos era o que nos contavam. E o nosso amigo foi embora! Assim como esse disco, também ficarão guardados comigo os bons momentos que tivemos embalados pela música dos nossos ídolos. Boa viagem, amigo Walter, nesse trem do além!...

 

 

 Olá, sargento! Anote aí...

Hoje seria mais um aniversário pra você. 70 anos. Mas na verdade não o deixa de ser. Ano passado você foi lembrado por suas vizinhas. Foi um gesto muito bonito. Ainda mais porque, sem que elas imaginassem, tratava-se da última celebração, pois dois meses e meio depois você partiu. Aparentemente foi tudo muito rápido. Do diagnóstico da sua doença ao desfecho final. Mas não. Eu que te acompanhei bem de perto por todos esses anos, percebi, desde que nossos pais se foram, que você passou por uma mudança de comportamento. A doença física lhe apareceu como uma forma de justificar a sua morte, mas o seu espírito há muito já estava tocado. Vez em quando, em conversa, você deixava escapar o vazio que lhe abatia. Os velhos sempre foram o esteio daquela casa e da sua vida. Sem eles lhe faltou o chão. E assim o “novo tempo” foi te roendo feito uma traça. Até que a hora chegou.

Sabe, não é que eu seja insensível, mas, realista, eu diria. De maneira que eu não fui questionar, blasfemar ou ficar de mal com Deus por tudo que aconteceu. Com os meus pais e com você. Aprendi nessa vida que tudo tem que seguir o seu curso. E agora o que ficou pra trás assim vai estar. Nada mais interessa a você e aos velhinhos, a não ser as nossas lembranças e o nosso carinho. Estou tentando conservar a casinha. Do meu modo e dentro das minhas possibilidades, mas estou. Conheço melhor que ninguém cada palmo daquele chão. E confesso, nas vezes entro ali, a paz que encontro nem sei descrever, é algo diferente. Certamente devido às boas lembranças e a energia que por lá ainda existe.

Mas pra você agora tudo é sossego. E não precisa estar em posição de sentido. Sargento... descansar! Isso não é um comando, é um convite. Fica em paz!

Eliel Silva, 06.05.2023