“...Mas
a gente atura e até se mostra feliz
quando
se tem o álibe
de
ter nascido ávido
e
convido inválido
mesmo
sem ter havido.”
Djavan
A
casa que um dia foi do meu amigo, e que um dia pareceu não ser de mais ninguém,
hoje está reformada. Virou um templo. Vai-se orar muito ali. E agradecer. Pela
vida, pelo dia a dia. Mas também pelas portas de vidro que alguém doou. Eu só me
lembro de quando eu era menino e aquela casa era uma casa, a igrejinha era do
outro lado. Então todo sábado santo uma boa senhora botava pra tocar no
alto-falante (boca de ferro) umas canções de louvor tão bonitas. Mas era um só
LP. De maneira que eu já sabia a sequência de cor. O que não importava. Todo
sábado era assim. E era sempre pela manhã. Havia um encontro matinal. E durante
a semana eu ficava contando o tempo até aquele sétimo dia. Porque era quando a
música se ouvia. Meu pai ia para a feira. Eu não ia. Nunca gostei. A demora era
grande. E aquela gente batendo na gente. Era feira sábado e domingo. Depois
ficou apenas no sábado. Ainda bem. E para todos. Tinha que haver um dia de
descanso. Mas para aquela gente o sábado é que é santo. E os encontros sempre
foram aos sábados. A música também. A rua hoje é tão vazia. À noite muitas
luzes não se acendem. Há muita fé, mas falta administração. Não há relâmpago
que alumie aquela rua tão deserta. E os Césares já não moram por ali. Mas tem
muita gente humilde também. E os humildes ainda guardam uma chama de esperança
nas suas lamparinas. Um dia há de acontecer um grande culto. Eles colocarão
gambiarras e ninguém vai notar que tá tudo um breu. Se de gambiarras se está
vivendo, qual a fé tão cega que nos guiará?! Noutro templo os sinos dobram.
Chamam para a bênção da manhã. A cidade, tomada no seu silêncio, começa a
despertar. A maioria dos seus moradores foi dormir muito tarde na noite
passada. Tudo por conta daquele programa que passou na “TV por assinatura”. Hoje
em dia quase todo mundo tem esse privilégio. Vê o mundo lá fora tão bonito que
se esquece da cidadezinha em que vive. Uma minoria, sem “assinatura”, vai
dormir assim que o Jornal Nacional lhe dá “boa noite”. Pela manhã, pega um
ônibus lotado ou um trem. Vê as mazelas das ruas. Passa em frente ao templo e
pensa em Deus. Sonha (ainda) com a terra prometida, onde escorrerá leite e mel.
Meu despertador me diz que é hora de pegar no batente. Mesmo sem “assinatura”
eu fui dormir um pouco tarde porque tinha uns pensamentos pra organizar no
juízo. Fico orientando cada um, como quem tange ovelhas. Mas às vezes eles se
misturam, assim como as ovelhas, e no outro dia fico de ressaca sem ter bebido.
Que falta me fazem aquelas canções, aquele LP, aquela senhora, com seu
alto-falante, naquela igrejinha. Que falta me faz a criança que eu fui. Na
modernidade de agora, não sei se a paz vai reinar por aqui.
Eliel
Silva/julho.2013
Foto:
Eliel Silva
2 comentários:
DESEJO QUE PELO MENOS EM SUA VIDA, NO SEU CORAÇÃO, REINE A PAZ.... ISSO É MUITO BOMMMMM.
Grande Eliel! Soube por acaso e fiquei contente em poder apreciar novamente seus escritos originais e verdadeiros através da mídia blog. Reforço o convite da Danny Nascimento: renda-se ao Facebook, nos dias atuais mais apropriado pois, além da “Linha do Tempo” onde permanecem, como nos blogs, as publicações há a interatividade imediata dos que, sem anonimato, expressam comentários a cada postagem. Fica a dica. De qualquer forma, bem vindo... Outra Vez.
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