Marisa Monte faz de show experiência elevada
ZECA CAMARGO
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Alguém
já disse que saudade não é quando a gente sente falta de alguém, mas quando
sente a sua presença", disse Marisa Monte ao fazer uma sincera homenagem à
Cássia Eller, na estreia de seu novo show, na última quinta-feira em São Paulo.
Pois bem: por quase duas horas, ali mesmo no palco, a cantora fez
então com que sua plateia sentisse muita saudade dela, na noite que anunciava
com chuva e vento o inverno na cidade.
Que prazer ser aquecido por sua voz. Em menos de cinco minutos
ali, Marisa mostrou mais uma vez que sua missão ao se apresentar ao vivo
ultrapassa a simples reprodução de faixas de um disco de lançamento.
O que ela quer (e consegue) é elevar o patamar de um espetáculo,
oferecer uma outra maneira de as pessoas (por uma sinestesia espontânea) verem
e ouvirem suas canções, transformar um show em experiência elevada.
Olhando
só a ficha técnica do show "Verdade uma Ilusão", um olhar mais cínico
pode até achar a proposta arrogante para uma turnê que quer ser popular:
convidar artistas plásticos para compor um visual para cada música?
Mas quando as imagens começam a se envolver com a música, quando
olhos e ouvidos já conversam confortavelmente, e você nem pensa em pedir resgate
pelo sequestro de seus sentidos, qualquer ideia de pretensão se desfaz.
Marisa Monte consegue isso antes mesmo de terminar a segunda
música, "O que Você Quer Saber de Verdade".
Orquestrado pelo diretor de arte Batman Zavarese, o visual do show
é irresistível --e quando, pela criação de Cao Guimarães e Rivane
Neuenschwander, uma imensa bolha de sabão desafia a atmosfera ao longo de
"Ilusión" (um clássico desde a parceria com Julieta Venegas), sons e
formas, na sua cabeça, são de fato uma coisa só, como se assim tivessem nascido
e existido para sempre.
Difícil falar qual desses casamentos é o mais acertado. Os
"4.000 Disparos" de Jonathas Andrade para "Não Vá Embora"?
Os "Manuscritos" de Mana Bernardes para "E.C.T." (quando
Marisa faz então seu tributo à Cássia)? O "Dream Sequence I" de
Janaína Tschäpe em "Depois"?
Eu fico, talvez, com a estupenda imagem de duas pequenas árvores à
deriva num barquinho, em "Ainda Bem", de Thiago Rocha Pitta. Por que
"talvez"?
Porque não tenho muita certeza do que senti na noite de quinta.
Marisa --acompanhada por músicos selecionados a dedo da Nação Zumbi, além de um
superior quarteto de cordas-- mais uma vez confunde nossas emoções.
Os felizes no amor querem se sentir abandonados --apenas para
cantar "Depois". Os corações solitários desejam estar com alguém para
"Ainda Bem" virar verdade. E eu mesmo, que um dia escrevi, aqui mesmo
nesta "Ilustrada", lá no idos dos anos 90, que queria "morar no
país que Marisa Monte canta", já não estou mais seguro de onde desejo
realmente viver. Mas sei que é desse lugar, de onde sai sua voz e seu brilho,
que eu quero sempre sentir saudade.
ZECA
CAMARGO é
jornalista e apresentador do "Fantástico" (TV Globo)
Fonte: Folha de São Paulo - Ilustrada