Saindo do deserto
Desde o final do ano passado que
não escrevo nada. Absolutamente nada. Igual a um carro sem
gasolina à beira da estrada. Um processo de estagnação?
Talvez. Às vezes o “tico e teco” que habitam a nossa
mente acabam brigando e ocorrem essas coisas. Isso acontece comigo,
acontece contigo. Acontece com qualquer um. Nessas ocasiões
ficamos como que sentados à beira do caminho vendo a vida
passar. Meu Deus, e como ela passa veloz! Feito uma Ferrari. Quando
isso acontece é preciso reagir.
Quando contabilizo o tempo na
ponta do lápis (ou dos dedos, como estou fazendo agora) vejo
que são seis meses sem nada escrever. E tenho sido cobrado
por isso. Aqui e acolá, alguém pergunta “E aí
escreveu algum texto novo?” “Quando teremos alguma novidade?”
Aí vem a parte mais
difícil destas presentes linhas, uma vez que para prosseguir
nelas tenho que partilhar convosco cenas que se desenrolam nos
bastidores, longe das luzes da ribalta. Coisas que provocam um
curto-circuito nos neurônios e nos deixam mergulhados numa
certa apatia. Em relação a isso, dois motivos
contribuíram sobremaneira.
O primeiro está
relacionado com a nossa dificuldade em lidar com as perdas.
Principalmente a questão do corpo físico. O desencarne
para os espíritas, o morrer para os demais.
Pois não é que no
início de Dezembro do ano passado o Chefe, o poderoso Deus
Altíssimo anunciou que Maria de Lourdes, uma pessoa especial,
dessas que fazem brilhar a luz que de Deus receberam, uma mãe
para os que a rodeavam, já encerrara a sua missão na
terra e que deveria continuar sua estrada luminosa na eternidade? E
essas coisas, geralmente, pegam a gente de surpresa. Confesso que
por várias vezes algumas lágrimas desceram pela minha
face.
Involuntariamente, entrei num
deserto.
Partindo de uma auto-análise
creio que se trata de uma atitude egoísta de minha parte. Ora,
todos sabemos que os seres humanos não serão
eternamente corpo físico. Um dia o cavalo para de correr.
Cessam suas funções vitais. Assume o corpo espiritual
em toda sua totalidade. Adentra o maior dos mistérios: a vida
em plenitude... Aqueles que habitavam cotidianamente esse mundo de
ilusões, de repente, se vêem em uma nova dimensão...
E continuam a cuidar de nós, quem sabe até com mais
intensidade. A questão é que nós humanos, que
costumamos usar apenas dez por cento de nossa cabeça animal,
queremos a presença física. A verdade é que não
encaramos a dualidade, o reverso da medalha. Enchemos o peito e
dizemos: “A vida é isso, a vida é aquilo. E da morte?
O que dizemos? Nada. Absolutamente nada. Fugimos dela. Enquanto ela
fica lá na dela. Um dia aparece do nada e nos encontra onde
quer que estejamos: no Norte, no Sul, no Leste ou no Oeste.
Achei bem oportuno o final do
texto de um especial sobre ferrovias (Brasil sobre Trilhos), exibida
no Globo Repórter em 06 de abril. O repórter Pedro
Gonçalves finalizava a reportagem com o seguinte texto: ”Os
caminhos abertos pelos pioneiros movem paixões e carregam
saudades. Servem também de inspiração, na grande
viagem da vida. Se a sua jornada fosse projetada na janela, passaria
rápida como um trem bala no ritmo frenético do
estresse? Ou na calma da Maria Fumaça, onde cada paisagem é
admirada nos detalhes? “A estação final todos sabemos
qual será, por isso, o importante é fazer a viagem
valer a pena”.
Foi o que fez a pessoa de quem
vos falo: fez a viagem valer à pena.
O segundo motivo do qual vos
falei, está na intercessão do primeiro: a ausência
da presença física. Desta vez a mudança foi
menos complexa. Limitou-se a ir de um Estado a outro da Federação.
Mais precisamente, de São Paulo para Natal.
Uma semana depois, ainda abalado
pelo desencarne da Dona Lourdinha. Fui à casa de minha irmã
Maria Antonia, em São Paulo. Conversa vai, conversa vem, ela
me disse que ia embora para Natal. Ela, o Felipe e a Bruna. Felipe,
17, e Bruna, 11, são dois de meus amados sobrinhos. Sempre
quando estou com eles é uma farra só. Quando ela me
falou isso fiquei quieto. Não disse nada.
Andei um pouco mais deserto
adentro.
Nesse meio tempo apareceu um
Oasis. Fui de férias para Natal. Revi a família e os
amigos. Curti as praias e os campos. Uma maravilha! Que férias!
Enfim, decorridos trinta dias de
sombra e água fresca, voltei à Campinas. Hora de pegar
no batente novamente.
No início de março
minha irmã me liga: “Vem aqui se despedir da gente que já
estamos fazendo as malas”. Atendendo ao pedido dela, passei um
final de semana bastante alegre com eles. Como de costume. Brinquei
bastante com meus sobrinhos, nos divertimos pra caramba. Tive uns
papos sérios com minha irmã também. Dos lábios
brotavam sorrisos quais flores que apenas nasceram. No íntimo,
em meu coração, sentia-me à beira de uma
cachoeira, vendo aquelas águas brilhantes e doces a
despencarem vale abaixo.
Outra vez, outra atitude egoísta
minha. Minha irmã estava começando mais uma nova etapa
na vida dela. Meus sobrinhos idem. De fato, outro dia liguei pra
minha irmã e ela me falou que todos estão super bem.
Gostando demais da terra do sol. E isso me alegrou demais, apesar da
saudade que ainda vem forte de vez em quando.
Enfim, é hora de sair da
beira da estrada, sair de meus desertos. Se bem que atravessar um
desertozinho não faz mal a ninguém. É até
recomendável. A aridez do deserto nos faz crescer um pouco
mais. Faz-nos pensar... Pensar... Pensar... Enquanto a luz do sol se
reflete nas areias escaldantes.
José Flávio
(Campinas / SP)
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