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"Engolimos de uma vez a mentira que nos adula e bebemos gota a gota a verdade que nos amarga." Denis Diderot

quinta-feira, 3 de maio de 2012



Saindo do deserto

Desde o final do ano passado que não escrevo nada. Absolutamente nada. Igual a um carro sem gasolina à beira da estrada. Um processo de estagnação? Talvez. Às vezes o “tico e teco” que habitam a nossa mente acabam brigando e ocorrem essas coisas. Isso acontece comigo, acontece contigo. Acontece com qualquer um. Nessas ocasiões ficamos como que sentados à beira do caminho vendo a vida passar. Meu Deus, e como ela passa veloz! Feito uma Ferrari. Quando isso acontece é preciso reagir.
Quando contabilizo o tempo na ponta do lápis (ou dos dedos, como estou fazendo agora) vejo que são seis meses sem nada escrever. E tenho sido cobrado por isso. Aqui e acolá, alguém pergunta “E aí escreveu algum texto novo?” “Quando teremos alguma novidade?”
Aí vem a parte mais difícil destas presentes linhas, uma vez que para prosseguir nelas tenho que partilhar convosco cenas que se desenrolam nos bastidores, longe das luzes da ribalta. Coisas que provocam um curto-circuito nos neurônios e nos deixam mergulhados numa certa apatia. Em relação a isso, dois motivos contribuíram sobremaneira.
O primeiro está relacionado com a nossa dificuldade em lidar com as perdas. Principalmente a questão do corpo físico. O desencarne para os espíritas, o morrer para os demais.
Pois não é que no início de Dezembro do ano passado o Chefe, o poderoso Deus Altíssimo anunciou que Maria de Lourdes, uma pessoa especial, dessas que fazem brilhar a luz que de Deus receberam, uma mãe para os que a rodeavam, já encerrara a sua missão na terra e que deveria continuar sua estrada luminosa na eternidade? E essas coisas, geralmente, pegam a gente de surpresa. Confesso que por várias vezes algumas lágrimas desceram pela minha face.
Involuntariamente, entrei num deserto.
Partindo de uma auto-análise creio que se trata de uma atitude egoísta de minha parte. Ora, todos sabemos que os seres humanos não serão eternamente corpo físico. Um dia o cavalo para de correr. Cessam suas funções vitais. Assume o corpo espiritual em toda sua totalidade. Adentra o maior dos mistérios: a vida em plenitude... Aqueles que habitavam cotidianamente esse mundo de ilusões, de repente, se vêem em uma nova dimensão... E continuam a cuidar de nós, quem sabe até com mais intensidade. A questão é que nós humanos, que costumamos usar apenas dez por cento de nossa cabeça animal, queremos a presença física. A verdade é que não encaramos a dualidade, o reverso da medalha. Enchemos o peito e dizemos: “A vida é isso, a vida é aquilo. E da morte? O que dizemos? Nada. Absolutamente nada. Fugimos dela. Enquanto ela fica lá na dela. Um dia aparece do nada e nos encontra onde quer que estejamos: no Norte, no Sul, no Leste ou no Oeste.
Achei bem oportuno o final do texto de um especial sobre ferrovias (Brasil sobre Trilhos), exibida no Globo Repórter em 06 de abril. O repórter Pedro Gonçalves finalizava a reportagem com o seguinte texto: ”Os caminhos abertos pelos pioneiros movem paixões e carregam saudades. Servem também de inspiração, na grande viagem da vida. Se a sua jornada fosse projetada na janela, passaria rápida como um trem bala no ritmo frenético do estresse? Ou na calma da Maria Fumaça, onde cada paisagem é admirada nos detalhes? “A estação final todos sabemos qual será, por isso, o importante é fazer a viagem valer a pena”.
Foi o que fez a pessoa de quem vos falo: fez a viagem valer à pena.

O segundo motivo do qual vos falei, está na intercessão do primeiro: a ausência da presença física. Desta vez a mudança foi menos complexa. Limitou-se a ir de um Estado a outro da Federação. Mais precisamente, de São Paulo para Natal.
Uma semana depois, ainda abalado pelo desencarne da Dona Lourdinha. Fui à casa de minha irmã Maria Antonia, em São Paulo. Conversa vai, conversa vem, ela me disse que ia embora para Natal. Ela, o Felipe e a Bruna. Felipe, 17, e Bruna, 11, são dois de meus amados sobrinhos. Sempre quando estou com eles é uma farra só. Quando ela me falou isso fiquei quieto. Não disse nada.
Andei um pouco mais deserto adentro.
Nesse meio tempo apareceu um Oasis. Fui de férias para Natal. Revi a família e os amigos. Curti as praias e os campos. Uma maravilha! Que férias!
Enfim, decorridos trinta dias de sombra e água fresca, voltei à Campinas. Hora de pegar no batente novamente.
No início de março minha irmã me liga: “Vem aqui se despedir da gente que já estamos fazendo as malas”. Atendendo ao pedido dela, passei um final de semana bastante alegre com eles. Como de costume. Brinquei bastante com meus sobrinhos, nos divertimos pra caramba. Tive uns papos sérios com minha irmã também. Dos lábios brotavam sorrisos quais flores que apenas nasceram. No íntimo, em meu coração, sentia-me à beira de uma cachoeira, vendo aquelas águas brilhantes e doces a despencarem vale abaixo.
Outra vez, outra atitude egoísta minha. Minha irmã estava começando mais uma nova etapa na vida dela. Meus sobrinhos idem. De fato, outro dia liguei pra minha irmã e ela me falou que todos estão super bem. Gostando demais da terra do sol. E isso me alegrou demais, apesar da saudade que ainda vem forte de vez em quando.
Enfim, é hora de sair da beira da estrada, sair de meus desertos. Se bem que atravessar um desertozinho não faz mal a ninguém. É até recomendável. A aridez do deserto nos faz crescer um pouco mais. Faz-nos pensar... Pensar... Pensar... Enquanto a luz do sol se reflete nas areias escaldantes.
José Flávio
(Campinas / SP)

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