"Uns tem saudade
E dançam maracatus
Uns atiram pedras
Outros passeiam nús..."
(Brejo da Cruz - Chico Buarque)
Foto: Yuno Silva (Tribuna do Norte)
PARA POUCOS
Paulo
Roberto França
Ontem revi no pensamento um
distante janeiro de 1985, no velho estádio Juvenal Lamartine. Era um show beneficente,
aonde o amigo Eliel e eu chegamos cedo, ávidos de MPB, que ainda hoje o somos,
e presenciamos a cena rara de um Chico Buarque de camisa regata lilás passando
o som (este não era necessariamente o termo da época) e nos brindando com “O
que será” e “Gota d’água”. Ficamos parados ali em êxtase, sem fotos para
guardar, inclusive o copo de “cana” no fundo do palco, mas registrando tudo na
memória. Agora estou, quase três décadas depois, pronto e ansioso para outro
show de Chico. Apesar do preço alto, apesar do tempo passado, apesar, graças a
Deus, da ausência da ditadura, apesar de vocês que não estavam lá, me vi tomando
uma cerveja no hall do teatro em plena noite de 2ª feira, porque como bom
“buarqueano”, a gente vai tomando que também sem a cachaça ninguém segura este
rojão.
Num teatro lotado surgiu um
velho e novo Chico com uma banda bela e refinada cantando músicas novas que
muita gente cantou junto. Também presenciei mulheres loucas e febris tentando
se rasgar por ele. Na seqüência de músicas ditas compostas com alma feminina, senti
as presenças de Bethania, Fafá, Simone, Gal, Elba, porque Chico é um espetáculo
múltiplo e andrógino, mesmo sem cantar os olhos nos olhos que faz parte da
minha crônica preferida. Com poucas palavras como sempre, o que ele queria
mesmo era cantar e seduzir o público desde o seu caminhar até o pouco contato
com os/as fãs da primeira fila, com aquela timidez que às vezes parece pensada.
Ao entoar Geni com toda a platéia, me fez sentir dó daquela puta inocente da canção,
pois tem bem mais gente merecendo que a gente jogue bosta na cara.
Faltaram vários sucessos, até
porque são inúmeros, mas a presença do mestre Francisco me fazia cantar alguns
no pensamento, enquanto ele desfilava outros ali na minha frente. Dentre tantos
Chico´s, amante, contestador, trovador, cronista, também fui apresentado ao
Chico contraditório, porque ele também é humano. Ao invés de receber a
governadora em seu camarim, que deve ter pedido de joelhos, ele (leia-se a
produção) ignorou o pedido da legião de normais que já vivem com a cabeça lá
pelas tabelas, para um autógrafo, uma foto, um sorriso ou, no caso das mulheres,
um simples piscar de olhos verdes. Vai passar, mesmo com o gosto que tudo tomou
seu lugar depois que a banda passou, porque Chico merece nosso perdão e
particularmente me compensou ao ouvir do meu filho, quase músico e roqueiro e
que nem sonhava em nascer naquele distante janeiro de 1985, que o show foi ótimo. É Chico Buarque. Eis o malandro no
palco outra vez!
* Dedico aos meus caros amigos Eliel Silva, Marcos
Bala, João Palhano, Luciano Ameba e a todos os fãs de Chico Buarque em Ceará
Mirim. E também a uma sobrinha querida que, na adolescência, levou umas broncas
minhas porque pediu para fazer uma pesquisa escolar nos meus CDs, procurando
uma música de um tal Chico “Duarte”.