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"Engolimos de uma vez a mentira que nos adula e bebemos gota a gota a verdade que nos amarga." Denis Diderot

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Uma palavra

"Uns tem saudade
E dançam maracatus
Uns atiram pedras
Outros passeiam nús..."
(Brejo da Cruz - Chico Buarque)
Foto: Yuno Silva (Tribuna do Norte)

PARA POUCOS

Paulo Roberto França

Ontem revi no pensamento um distante janeiro de 1985, no velho estádio Juvenal Lamartine. Era um show beneficente, aonde o amigo Eliel e eu chegamos cedo, ávidos de MPB, que ainda hoje o somos, e presenciamos a cena rara de um Chico Buarque de camisa regata lilás passando o som (este não era necessariamente o termo da época) e nos brindando com “O que será” e “Gota d’água”. Ficamos parados ali em êxtase, sem fotos para guardar, inclusive o copo de “cana” no fundo do palco, mas registrando tudo na memória. Agora estou, quase três décadas depois, pronto e ansioso para outro show de Chico. Apesar do preço alto, apesar do tempo passado, apesar, graças a Deus, da ausência da ditadura, apesar de vocês que não estavam lá, me vi tomando uma cerveja no hall do teatro em plena noite de 2ª feira, porque como bom “buarqueano”, a gente vai tomando que também sem a cachaça ninguém segura este rojão.
Num teatro lotado surgiu um velho e novo Chico com uma banda bela e refinada cantando músicas novas que muita gente cantou junto. Também presenciei mulheres loucas e febris tentando se rasgar por ele. Na seqüência de músicas ditas compostas com alma feminina, senti as presenças de Bethania, Fafá, Simone, Gal, Elba, porque Chico é um espetáculo múltiplo e andrógino, mesmo sem cantar os olhos nos olhos que faz parte da minha crônica preferida. Com poucas palavras como sempre, o que ele queria mesmo era cantar e seduzir o público desde o seu caminhar até o pouco contato com os/as fãs da primeira fila, com aquela timidez que às vezes parece pensada. Ao entoar Geni com toda a platéia, me fez sentir dó daquela puta inocente da canção, pois tem bem mais gente merecendo que a gente jogue bosta na cara.
Faltaram vários sucessos, até porque são inúmeros, mas a presença do mestre Francisco me fazia cantar alguns no pensamento, enquanto ele desfilava outros ali na minha frente. Dentre tantos Chico´s, amante, contestador, trovador, cronista, também fui apresentado ao Chico contraditório, porque ele também é humano. Ao invés de receber a governadora em seu camarim, que deve ter pedido de joelhos, ele (leia-se a produção) ignorou o pedido da legião de normais que já vivem com a cabeça lá pelas tabelas, para um autógrafo, uma foto, um sorriso ou, no caso das mulheres, um simples piscar de olhos verdes. Vai passar, mesmo com o gosto que tudo tomou seu lugar depois que a banda passou, porque Chico merece nosso perdão e particularmente me compensou ao ouvir do meu filho, quase músico e roqueiro e que nem sonhava em nascer naquele distante janeiro de 1985, que o show foi  ótimo. É Chico Buarque. Eis o malandro no palco outra vez!

* Dedico aos meus caros amigos Eliel Silva, Marcos Bala, João Palhano, Luciano Ameba e a todos os fãs de Chico Buarque em Ceará Mirim. E também a uma sobrinha querida que, na adolescência, levou umas broncas minhas porque pediu para fazer uma pesquisa escolar nos meus CDs, procurando uma música de um tal Chico “Duarte”.

3 comentários:

Unknown disse...

Estava também lá, na segunda-feira 28 de Maio de 2012, que será por muito tempo a data musical mais importante da minha vida, parabenizo pelo texto que realmente descreve o que foi o Show. Apenas ri muito do excesso de formalidade do público, desculpando quem pensa diferente, mas muita gente estava trajada mais pra ir a um casamento do que pra um show musical(talvez pelo preço dos ingressos, não sei...), pois apesar de letras bem trabalhadas e muitas vezes rebuscado linguajar, vejo o Chico como o 'Malandro' que sempre foi em suas intenções, letras e postura política. Por fim, se pudesse resumir numa única palavra esse momento, seria: INESQUECÍVEL. Prof.Carlos Henrique

ELIEL SILVA disse...

Não pude comparecer ao show dessa vez, e nem sei se haverá uma outra chance, pelo andar da carruagem... Mas guardo comigo aquele Chico de 1985, no Juvenal Lamartine. O texto de Paulinho, tão bem escrito, como sempre, me consola. Saber que alguns amigos estavam lá já é motivo para mim de muita alegria. Me passa um filme na memória, ao som de uma banda que insiste em tocar nas ruas e becos da minha saudade.

Edvaldo Morais Lopes disse...

Pois é Eliel, desta vez estávamos atoa na vida e deixamos de ver a banda passar. Mas para nossa alegria Ceará-Mirim esteve bem representada no show do Chico em Natal. A observação do Professor Carlos Henrique e o ótimo texto do Dr. Paulo Roberto traduzem a beleza e autenticidade do espetáculo. Viva o poeta. Viva Chico.