"Um dos traços mais lamentáveis
da minha personalidade
é a facilidade com que esqueço
tudo o que leio.
Mas tenho uma atenuante: é próprio
dos poetas só guardar
na memória o que os comove."
(Ferreira Gullar, em Resmungos)
Ainda hoje tenho um cachorrinho de borracha que eu ganhei de uma amiga da família, quando eu completei um ano de idade. E olha que isso faz tempo! Como Lulu (esse é o seu nome, favor não confundir com o apelido de algum conhecido!) atravessou esses anos quase que intacto, e porque só ele em meio a tantos outros brinquedos escapou da ação do tempo e das travessuras do seu dono, confesso que para mim isso também é um mistério. Se eu pudesse hoje faria uma regressão para acompanhar a nossa relação de amizade para saber o porque desse apego. Freud explica? Talvez. O fato é que ao longo da minha vida fui “colecionando” cachorros de verdade.
A primeira aquisição foi uma cadela chamada Dogueza, que teve vários filhotes e um deles a gente resolveu criar também: o Dog. Esse um dia foi atropelado por uma camionete dirigida por um malvado que nem sequer tentou livrar o pobre cão. Na minha ânsia de socorrê-lo, ao segurá-lo, fui mordido por ele que, na sua dor já não sabia mais distinguir carinho de agressão. O homem que matou meu cachorro hoje vive “gagá”, numa completa solidão. Dogueza, a mãe de Dog morreu velhinha, de morte natural. De lá para cá foram muitos cães, todos amigos de verdade. Veludo, uns outros Dogs, Russo e hoje o Bono. É certo que nenhum deles chegou a ser um Rin-Tin-Tin ou uma Lassie, mas para mim foram muito importantes.
Mas voltando àquele primeiro, o inanimado. Certa vez um tio meu, que costumava levar vida cigana, estava morando no sertão e veio nos visitar. Ele me pediu uns brinquedos que eu não quisesse mais para levar pros seus filhos. Fiz uma triagem nas minhas tralhas e lhe dei uma porção de brinquedos. Ficou um saco (coisa de sertanejo) cheio deles. No dia dele pegar o trem de volta pra casa, me bateu uma vontade de espiar o conteúdo do saco. E para minha surpresa lá estava Lulu, meu cachorrinho de borracha. Como ele foi parar no meio daqueles trecos eu não sei, mas com certeza não fui eu quem autorizou. Disfarçadamente retirei o cachorrinho do saco e escondi. E assim Lulu “sobreviveu” àquela viagem sem volta rumo ao sertão potiguar. Hoje, mesmo velhinho, com o rabinho roído, coisa de um Dom Ratão ou de uma Dona Ratazana, bichos que as vezes aparecem também para nós, em forma de gente, para nos atanazar a vida. Com sua estrutura desbotada pelo tempo, Lulu ainda está comigo. Esse amigo calado acompanhou a minha trajetória de vida: conquistas, derrotas e algumas frustrações ao longo de quase um século. Talvez o leitor ao término desse relato ache tudo isso uma bobagem, com tanta coisa atual pra se comentar. E eu concordo. Mas por isso mesmo, num tempo em que os amigos estão ficando cada vez mais escassos, eu precisava um dia falar sobre esse meu companheiro de infância. Como diria Ban Ban, do BBB: "faz parte!"
Fotos: Arquivo do autor
2 comentários:
Brother Eliel,cara...!!! Fosse longe. Eu tinha um desses, mas tô meio confuso, tinha certeza até hoje que era um gato e não um cachorro! hehehe! Sei não!
O meu se foi numa dessas doações também, mas o tempo em que o tive como campanheiro de aventura, tratei-o como um bichano! coisas de criança.
Professor Carlos Henrique, o meu amigo te garanto que era um cachorro mesmo. Na minha imaginação de menino eu até conseguia ouvir os seus latidos. Valeu!
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