-

"Engolimos de uma vez a mentira que nos adula e bebemos gota a gota a verdade que nos amarga." Denis Diderot

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Oh Happy Day

"A amizade sincera
é um santo remédio,
é um abrigo seguro."
(Amizade Sincera - Dominguinhos
e Renato Teixeira)


• Costumo não esquecer a data do aniversário dos meus amigos, e hoje é o dia de mais um deles: Dr. Paulo Roberto de França. Como já falei noutro blog, sou fã dele como cronista e admiro muito o seu trabalho. Sei que anda meio ocupado, ou apenas distante, nesse início de ano, talvez por isso não tenha ainda me enviado uma nova crônica para que eu pudesse estrear aqui no R&C. Mas não faz mal, em sua homenagem vou reproduzir na íntegra uma que foi publicada no blog chaminé em sua primeira fase, no ano de 2007. Tempos bons aqueles! Vamos a crônica...


Ela, Bethânia e Eu


Hoje me veio uma daquelas lembranças repentinas e inexplicáveis. Coisas da mente humana, recordações adolescentes de uma manhã quente das férias de dezembro de um ano distante. A turma da rua acordava cedo para jogar bola no campo de frente ao cemitério, que naquela época não servia aos parques de diversões. Era um campo aberto aos nossos sonhos de craques. Pois bem, juntávamos três ou quatro e subíamos um pouco a Meira e Sá, para chamar mais um amigo que não era tão essencial ao time. Motivo? Olhar ela. Sua irmã morena, gostosa, mais velha, certamente com um namorado também mais velho. Vê-la era um acontecimento. De short nem me fale. Perto dela (nossa musa secreta) a amiga bola era apenas uma sobremesa a ser degustada a ponta-pés. Recordo agora, particularmente de uma dessas manhãs, que não sei como, me deixaram ir sozinho chamar o nosso amigo ao futebol. Cheguei, toquei a campainha. Silêncio. Ela na sala ouvia um programa de rádio a.m. Eu, na tentativa de ser notado, gritei: “Fulano tai?” A voz bonita e brava me pedia silêncio. Não podia ser incomodada. Estava copiando uma nova música que Maria Bethânia em tom amargurado bradava no som do rádio. “Olhos nos Olhos”. “Paulinho, fale baixo, entre e vá chamar Fulano”. Aquilo soou que na realidade ela não dava a mínima para mim, mas vá dizer isto aos meus sonhos pueris. Imaginei ser uma frase promissora, afinal ela me conhecia, me chamou pelo nome. Meus pensamentos já antecipavam o momento do abraço, do primeiro beijo. Parado, fiquei admirando sua pele fina no rosto suave, bem desenhado, pernas morenas, roliças e bem definidas. Indefinidas estavam as minhas pernas que não sabiam aonde ir. Bethânia ainda cantava, parecendo não querer mais parar. De pirraça. Olhos nos Olhos. Gostei da música. Tempos depois soube que era de Chico Buarque. Só podia. Consegui andar, mas não lembro se o irmão dela foi comigo; lembro que neste dia joguei muito bem e depois tomei um demorado banho melhor ainda. Nada comentei com os amigos, nem tinha porque, afinal não vira sequer uma blusa semi-aberta, um “lance” (termo da época) mais ousado. Nada. Apenas a presença Dela, a sua voz, a voz da música. Olhos nos Olhos. Foi um instante só meu. Não o dividiria com ninguém. Coisas da vida; momentos ímpares que marcam pela sua simplicidade e que nem entendo porque agora aflorou. Faz muito tempo. Ela foi morar longe e nunca mais a vi. Deverá ser até avó, casada por várias vezes, quem sabe. Ou não. A beleza resistiu ao tempo ou deu lugar às rugas, varizes, celulites, obesidade? Não sei, mas hoje ouvi Bethânia de novo: “Olhos nos olhos, quero ver como suporta me ver tão feliz...” É verdade, eram dias felizes. Felizes e puros.
Dr. Paulo Roberto de França

2 comentários:

Ionaldo Oliveira disse...

Eu sei de quem vc tá falando... realmente era um Deus nos acuda. Dava até pra faltar o fôlego,mas deixa pra lá... Não posso ir mais além nos comentários. Pra sua alegria ou tristeza encontrei com ela de frente as lojas Americanas e quase tive um troço (da tamanha decepção q meus olhos registraram)a natureza não foi gentil com a meia idade dela e todos aqueles sonhos da adolescência desmoronaram.Fazer o quê? se ela estava alguns anos à frente da nossa geração, mas pelo menos serviu como musa inspiradora. Aproveito também para parabenizar o amigo Paulo pelo seu niver através deste blog que realmente tem um caráter ético, moral e fraterno para com os seus...

ELIEL SILVA disse...

Valeu, Ionaldo! Nosso amigo Paulinho merece essa lembrança e muito mais. E quanto a você, agora que está vendo o blog com mais freqüência e parece estar se identificando com ele, manda uma daquelas suas crônicas pra gente. Pode ser uma que fale das nossas enxaquecas e labirintites. Não faz mal! Abraços...