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"Engolimos de uma vez a mentira que nos adula e bebemos gota a gota a verdade que nos amarga." Denis Diderot

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Outro dia


“Eles vão atirar-te uma pedra
 quando fores pela rua fora.
Eles vão atirar-te uma pedra
quando tentares conservar o teu lugar.
Eles vão atirar-te uma pedra
quando andares de rastros.
Eles vão atirar-te uma pedra
quando fores a caminho da porta.
Mas eu cá não me sentiria abandonado,
toda a gente devia apanhar uma pedrada.”
Bob Dylan
Hard times

Pois é, meu caro amigo, minha cara amiga. Foram tempos difíceis aqueles que eu passei. Havia festa por todos os lugares. O som do povo era estridente ao extremo. Mas o meu era só o som do silêncio. Silêncio que por vezes me apavorava. Me consumia. Eu me via feito uma gaivota forçada a isolar-se do seu bando, e por razões que eu não concordava. Alguns até me ouviam, mas envolvidos em seus afazeres, não havia espaço para uma atenção maior. Quase cheguei a me convencer de que eu estava completamente errado. Que havia estragado toda uma vida. Saía pelas ruas à procura de um ombro amigo. Aumentei, por questão de necessidade - sou sincero em dizer – as minhas horas de igreja. E foi engraçado quando certa vez, antes da missa começar, eu sentado num lugar à parte, temendo as más línguas, com medo de alguém me expulsar dali, eis que de repente o celebrante caminha em minha direção. Qual não foi o susto que levei. Tremi. Gelei. Quase me borrei. Mas já estando ali num lugar tão sagrado, me peguei com os santos. Pedi força e proteção, mas aguardei a sentença. Pensei comigo: vai ser expulsão, “excomunhão”, ou, na melhor (ou pior) das hipóteses, uma penitência daquelas. Mas para minha surpresa o sacerdote sorriu, com aquelas suas vestes tão bem cuidadas – e tradicionais -, elegante como um rei (como Salomão, talvez. Mas não como os lírios do campo), me chamou de “meu filho” e me perguntou se estava tudo bem. Ora, saído do inferno das minhas suspeitas naquele instante, já me vendo livre de qualquer condenação e isento de qualquer penitência, vi naquele homem a personificação do próprio Jesus Cristo. Lembrei-me daquelas “pedras” que Ele mandou que atirassem e ninguém se atreveu. Dei um sorriso de orelha a orelha e lhe respondi que estava sim, tudo bem. Ele seguiu em frente, cumprimentando outros fiéis, acalentando outras almas. Enquanto isso eu pensava comigo: que maravilha viver! E foi assim que sobrevivi àqueles tempos difíceis. De uma coisa estou bem certo: Deus escreve certo por linhas certas. Ou tortas. Mas escreve.

Eliel Silva/julho.2013
Foto: Eliel Silva 

"Ando devagar porque já tive pressa
E levo esse sorriso porque já chorei demais..."
Almir Sater / Renato Teixeira 

 

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