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"Engolimos de uma vez a mentira que nos adula e bebemos gota a gota a verdade que nos amarga." Denis Diderot

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Cena urbana

"Espalhar a própria fama 
por meio de feitos,
eis uma obra de valor." 
(Virgílio)

Caso comum de trânsito

Eu nunca tinha visto tanto carro estacionado naquela via. Também pudera, era uma noite de gala. Figurões, imortais da arte e da cultura iam empossar novos membros. Definitivamente, havia mais brilho no chão que mesmo no céu naquela noite. De repente uma cena comum, mas que não estava no programa da festa. Um senhor muito importante estacionou o seu automóvel quase na esquina da rua, ignorando aquela infração. Vem um ônibus que não consegue fazer a curva para entrar na rua principal. Seu condutor, com uma paciência de quem começa o dia, apesar da hora já tão avançada, buzina, faz um sinal, embora que timidamente, tentando alertar o magnata, fazê-lo entender que naquele local não era permitido estacionar. Felizmente não houve bate boca. A educação de ambos contribuiu para um desfecho do caso sem prejuízo maiores , além do atraso da viagem, cerca de dez a quinze minutos, para aquele profissional do volante e seus passageiros. Até que o carrão do doutor saiu lentamente para um outro lugar e o ônibus seguiu seu destino. O velho motorista fez um gesto ajeitando o colarinho do uniforme surrado, se acomodou melhor na cadeira e partiu levando aquelas almas cansadas da luta diária. O homem elegante voltou da sua empreitada (ter de estacionar num lugar afastado talvez fosse uma desfeita para ele), sua roupa de gala meio fora do lugar, mas sua amada esposa cuidou em puxar um pouquinho para frente e ficou tudo bem. Com um ar de quem quase se viu desapontado diante daquela cena urbana, o que era compreensível, logo naquela noite de festa tinha que aparecer no caminho daquele ilustre senhor aquele reles mortal condutor de almas, atrapalhando os seus planos infalíveis. Daí cada um seguiu a sua rotina, inclusive eu, simples olheiro dessas coisas da vida. Me aproximei de um amigo que também observava tudo e puxamos um descontraído papo de esquina, livre e isento de qualquer condecoração.

Texto: Eliel Silva
Imagem: Internet

Um comentário:

Anônimo disse...

Bela crônica "cotidiana."
Ilton Soares