“Animal arisco
Domesticado esquece o risco
Me deixei enganar
E até me levar por você...”
(Fera Ferida – Roberto e Erasmo)
O insensato coração de Norma Pimentel
Ah, os contos de fadas... Como são mágicos, envolventes, encantadores! Quem não ouviu falar ainda das fadas que, com o simples toque de suas varinhas de condão, fazem abóboras se transformarem em carruagens... Sapos se transformarem em príncipes... O poder do simples toque de um objeto transformando realidades. Nem tudo são flores nessas estórias. Não nos esqueçamos das temidas bruxas e seus caldeirões que fabricam porções maléficas. Na verdade, nos clássicos infanto-juvenis está contida a eterna luta entre o bem e o mal. Nesse sentido, a teledramaturgia brasileira não deixa de ser uma versão moderna dos personagens das terras encantadas, uma vez que, também nelas, está contida a idéia de bem e mal, mocinho e bandido.
No ar desde Janeiro deste ano, a novela Insensato Coração, exibida pela Rede Globo prende a atenção dos telespectadores. Na trama de Gilberto Braga e Ricardo Linhares uma personagem tem dado o que falar. Trata-se de Norma Pimentel, interpretada brilhantemente pela veterana e talentosa Glória Pires. A atriz dá vida a uma personagem psicologicamente bem construída e complexa que ao longo da novela foi passando por transformações em seu visual e, principalmente, em sua personalidade.
No começo da novela Norma era uma ingênua e pacata enfermeira de um paciente de boa condição financeira que guardava todo o seu dinheiro em casa. Teria seguida sua vida sem maiores tropeços se o diabo não tivesse cruzado seu caminho e lhe seduzido. E o diabo veio na pele de Leonardo, vivido pelo também talentoso, Gabriel Braga Nunes. Leo, ao saber que o patrão da enfermeira guardava dinheiro em casa, joga todo o seu charme em cima dela, fazendo juras de amor eterno. Na verdade o seu intento é roubar o dinheiro do velho. Alcançado o objetivo Léo foge e deixa cair sobre Norma a fama de ladra. A enfermeira vai para a cadeia e paga por um crime que não cometeu. A frieza do ambiente penitenciário vai lhe transformando aos poucos. Para não morrer, mata uma temida prisioneira, a Aracy, vivida por Cristiana Oliveira. E assim morre de vez a ingênua enfermeira. Após passar cinco ou seis anos na prisão Norma ganha a liberdade. Já não é mais a mesma. Estabelece para si mesma uma meta tão perigosa como uma faca de dois gumes: encontrar Leonardo, o homem que a enganou e vingar-se dele.
Diz-se que a vingança é um prato que se come frio. É o equivalente a comer um prato de carne estragada, temperada com molhos de prazo de validade vencida, acompanhada de algumas verduras e legumes amarelados e murchos e ainda por cima, frio. Quem teria coragem de degustar tal delicia? Me dá enjôos só de pensar na possibilidade. Porém tem gente que come. Como se diz por aí: “cada um é cada um”.
Vingança é um sentimento inerente ao homem tais como o amor, o ódio, a indignação, a tristeza, a alegria e tantos outros, sendo, portanto, tão antigo quanto a própria humanidade. Entretanto é preciso ter cuidado, pois essa tal vingança pode se tornar um cavalo sem rédeas correndo em direção a um precipício. No que consiste o ato de vingar-se? No desejo do ofendido em fazer o ofensor passar pela mesma situação de prejuízo ou humilhação de que foi o causador. Através dessa atitude ambos se igualam, descem ao mesmo nível. Quem vence o duelo? O ofensor que, além do prejuízo material ou moral, ainda joga o ofendido num caminho de tribulações e tormentos.
Apesar de parecer o contrário, vingança não é um sentimento dos fortes. Esses, diante de uma situação difícil levantam a cabeça, sacodem a poeira e dão a volta por cima. Lembro-me de uma fato real acontecido na cidade de Indaiatuba, interior de São Paulo (distante cerca de 102 km da capital). Na noite de 10 de Junho de 2009, Rafael Laurindo Guerra, de 26 anos, foi baleado e morto durante um assalto a padaria de propriedade da família. O assassino, José Rinaldo Bezerra, 31 anos, foi preso e condenado a 25 anos de prisão. Até aí um caso de violência como tantos outros dos quais temos visto ou sabido. Uma série de coincidências fez com que Daisy Laurino, 56, mãe da vítima, soubesse que a mulher e os três filhos do assassino, estavam passando fome e com sério risco de serem despejados da casa onde moravam. Surpreendentemente essa sábia senhora resolveu ajudar, anonimamente, a família daquele que havia lhe tirado a vida do filho. Perdoou também o assassino. Atitudes como essa são raras no mundo de hoje. Porém com sua atitude essa mulher, em meio à dor, abriu seu coração para a paz. Permitiu-se viver com a alma leve e tranquila, apesar da dor da perda do filho.
Voltando a novela, a Norma que sai da cadeia é fria e calculista. Casa-se com um milionário e com a morte deste (morte pela qual ela foi indiretamente responsável), herda toda a fortuna. Rica e poderosa Norma não é feliz. Está presa a um desejo de vingança e a um amor doentio. Reúne provas cabais que levaria o bandido à cadeia e aos tribunais. Mas decide obstruir o trabalho da justiça guardando consigo as tais provas. Ao contrário, traz o ofensor para dentro de casa e o faz ajoelhar-se aos pés dela. Em vez de colocá-lo na prisão, faz dele seu objeto de prazer. Estranho não?! Pura insensatez. A enfermeira ingênua do inicio da novela se transforma num insensato coração que se autodestrói a cada dia em cima de um cavalo que, mais dia, menos dia a levará ao precipício.
Que surpresas ainda estão reservadas a nos, telespectadores deste drama? Só nos resta aguardar as cenas do próximo capítulo.
José Flávio
(colaborador do blog)
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