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"Engolimos de uma vez a mentira que nos adula e bebemos gota a gota a verdade que nos amarga." Denis Diderot

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Aquele tempo


JOVEM GUARDA – 1ª Parte
(O Programa Televisivo)


Tarde de verão em Pipa, um dos destinos turísticos mais charmosos do litoral potiguar. Naquele pedaço de céu e mar, uma das praias que mais fascinam os visitantes é a Praia do Amor. Clima quente. Águas mornas. Que delícia afundar os pés naqueles quilômetros e quilômetros de tapete fofinho e macio formado pelas finas e brancas areias beira-mar! As ondas que avançam furiosas logo se transformam em dóceis cãezinhos que vem lamber os pés de quem caminha pela beira da praia. Sob a brisa mansa casais de namorados trocam beijos e carícias. Uma sensação indescritível de liberdade. Mistura de realidade e fantasia.
Mas e daí? O que isso tem a ver com o tema em questão? Você deve estar se perguntando. É que se a Jovem Guarda fosse recorte de tempo de alguma estação do ano seria exatamente isso: uma tarde quente de verão em uma das praias do belíssimo litoral brasileiro. Quente, envolvente, romântica, descontraída.
Afinal o que foi essa tal de Jovem Guarda? A resposta é simples: a mistura explosiva de um movimento musical com um programa televisivo feito sob medida para o público jovem. Programa que, por sua vez, deu nome ao movimento. O elenco dessa festa de arromba já vinha sendo montado havia algum tempo. O Jovem Guarda, com maestria, distribuiu os papéis, abriu a cortina e fez do espetáculo um sucesso absoluto.
Para os amantes do futebol, como é gostoso recostar-se ao sofá... Controle remoto na mão... e, com alegria, assistir aos jogos de domingo na TV. Em 1965 as tardes dominicais na TV andavam meio em baixa. Haviam tirado o doce da boca das crianças, digo, dos marmanjos.
Nos dias atuais a relação entre os clubes de futebol e as emissoras que transmitem os jogos dos campeonatos estaduais e do campeonato brasileiro é bastante vantajosa para ambos os lados. Naquele ano, as coisas não eram bem assim. Tanto que os clubes de futebol de São Paulo, sentindo uma queda na arrecadação, proibiram as transmissões televisivas dos jogos.
Resultado! As transmissões esportivas proibidas. Televisões desligadas aos domingos à tarde. Desta vez quem sentiu a audiência despencar nos domingos à tarde foram as emissoras de TV, principalmente o canal 7, TV Record, que era quem liderava a audiência no horário. Em um aspecto a situação é igual aos dias atuais; quanto mais audiência, mais anunciantes, e quanto mais anunciantes, mais dinheiro em caixa. É compreensível, pois, a preocupação da Record.
Para recuperar a audiência o modo encontrado foi pensar um programa musical destinado ao público jovem. Para comandar a atração, inicialmente pensou-se nos nomes carismáticos como os de Roberto Carlos, que vinha fazendo sucesso com algumas músicas e Celly Campello que havia feito enorme sucesso em 1959, com o LP Estúpido Cúpido, chegando a ser eleita Rainha da Juventude. Celly, que havia abandonado a carreira para se dedicar ao casamento, não voltou atrás nos seus planos. Fechou-se o contrato com os nomes de Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléia. Sugeriu-se como nome do programa “Festa de Arromba”, que era o título de uma música do Erasmo que vinha estourando nas rádios. “Mas a música tá fazendo sucesso agora, e daqui há um ano, como fica o nome do programa?”


Chegou-se, afinal, ao nome Jovem Guarda. E assim ficou decidido. Sem patrocinador fica difícil colocar no ar qualquer programa. Definido o nome da atração e o dos apresentadores era preciso correr atrás dos anunciantes. E não foi fácil. As empresas consultadas temiam colocar seus nomes em um programa de juventude. Temiam ligar suas marcas a esse cantorzinho iniciante chamado Roberto Carlos. A solução encontrada pela empresa de publicidade Malgadi, Maia & Prosperi, foi criar uma marca de produtos a partir do nome de uma música de Roberto que fazia sucesso. Criou-se a marca “Calhambeque” que envolvia diversos produtos.
O diretor Carlos Manga, um dos três diretores do programa, ao ouvir uma prova de acetato com a música Splish, Splash ironizou “Isso é um cantor? E isso é uma música, ah, tá bom!” Quando conheceu Roberto pessoalmente viu que estava diante de um cara iluminado e cheio de generosidade e talento.
Ninguém imaginava que aquele programa montado às pressas para preencher uma brecha na grade de programação se tornaria um tremendo sucesso e marcaria toda uma geração. Lançaria moda. Mudaria hábitos e comportamentos.
No penúltimo domingo de agosto de 1965, às 16:30, na TV Record, São Paulo, começava um sonho jovem. Em casa, telespectadores atentos não desgrudavam os olhos da TV. No palco, três jovens talentosos, comandavam atrações pra lá de boas. No auditório lotado... fãs a beira da histeria. Choravam, gritavam, pulavam. Uma surpresa e tanto para três jovens de classe média do subúrbio do Rio em início de carreira. O primeiro programa foi apenas uma prévia do que estava por vir... E veio gente talentosa, que sabia agitar uma festa. Pelo palco do programa passaram Renato e seus Blue Caps, Eduardo Araújo, Silvinha, Trio Esperança, Sérgio Reis, Os Vips, Ronnie Von, Martinha, Demetriús, Leno e Lilian, Golden Boys, Rosemery, Jerry Adriane e tantos outros. Até gente da Bossa Nova passou por lá como por exemplo, Elis Regina e Wilson Simonal. Foram três anos de sucesso, sonho e magia. Jovens tardes de domingo regadas a muita alegria e ao som contagiante de rocks e baladas românticas. Mas o que foi bom durou pouco. Em janeiro de 1968, já desenvolvendo uma carreira internacional, com uma agenda lotada de shows e envolvido nas filmagens de Roberto Carlos em Ritmo de Aventura, gravação de discos e curtindo o amor de Nice, com que veio a se casar ainda naquele ano, Roberto encerrou sua participação no Jovem Guarda. O último programa com a participação dele foi cheio de emoção. Foi planejado para ser um momento de despedida, mas um momento alegre. O roteiro não saiu como o esperado. O que se viu foram lágrimas por toda parte, em casa, no palco e no auditório. Roberto, na verdade era o grande comandante daquele barco. Quando Roberto apresentou Erasmo e Vanderleia como os novos comandantes da atração, houve vaias na plateia. Enfim, Roberto deixou o programa, optou pela música romântica. Erasmo e Wanderleia ainda tentaram, bravamente, manter o programa no ar. Mas sem a presença de Roberto as coisas ficaram difíceis. A emissora sentiu uma queda na audiência e o programa foi retirado do ar.

Créditos:
Texto: José Flávio
Foto (Jovem Guarda): internet

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