Música interpretada por Zé Ramalho em Araguaia foi composta por Babal na década de 80
Sérgio Vilar
Babal é global. A rima é pobre, mas o significado é luxuoso. O compositor potiguar está presente na trilha sonora da recente novela Araguaia, da Rede Globo. "O amanhã é distante" é interpretada por Zé Ramalho. A música é uma versão de "Tomorow is a long time", de Bob Dylan. E Babal é mestre numa arte pouco debatida e até banalizada entre os músicos: a composição versada de outras canções.
A composição foi escrita em parceria entre Babal e Geraldo Azevedo em 1982 e gravada por Geraldo em 1985, no álbum A Luz do Solo. A música integra o setlist de Geraldo Azevedo em vários shows. Em recente CD em homenagem a Bob Dylan, Zé Ramalho gravou a música e foi selecionada à novela. "O amanhã é distante" é um folk bem encaixado no cenário ruralista do programa e respeita o ritmo original da música.
Boas versões exigem respeito ao ritmo original e ainda métrica e rima compatível. "Se fugimos do original, perde sonoridade. Se a canção tem estrofes cada uma de quatro versos e rimas entre elas, é preciso fechar o sentido da melodia ou fica solto no ouvido". Babal pesquisa antes de escrever. Alguns termos em inglês são incabíveis na língua portuguesa. Então, é preciso "abrasileirar" palavras, expressões e gírias.
"Halloween, por exemplo, não tem a menor importância pra gente. É como se fosse nosso São João. (Gilberto) Gil trabalha muito bem isso. Em "No woman no cry" (de Bob Marley), no lugar de 'In the government yard in trenchtown', Gil escreveu 'na grama do aterro sob o sol'. Isso porque 'government yard in Trenchtown' é jardim público de área periférica na Jamaica. Mas não no Brasil".
Babal remonta à etnografia para busca de expressões certeiras na substituição de outras expressões culturalmente significativas em outras línguas. "Portugal, antes de nos descobrir, foi dominado pelos árabes. Também temos muito de árabe. Então, há vasto caminho para a música. E se puxamos o fio da história, o linguajar da época, encontramos um rosário de acontecimentos. Isso é legal quando se coloca na composição".
Para Babal, a banalização e o desrespeito às versões originais merecem discussão aprofundada. "Dylan canta músicas de qualidade indiscutível. O último disco foi belíssimo. Melodias rebuscadas e simplicidade de outro mundo. As letras obedecem rimas. O que bandas de gosto duvidoso fazem é um desrespeito brutal: letras ridículas sem qualquer ligação com a composição original".
O compositor exemplifica a necessidade de ritmo e som nas letras com a música "Zanzibar", de Fausto Nilo. "Lendo, a música nada diz: 'No azul de Jezebel/ No céu de Calcutá /Feliz constelação/Reluz no corpo dela/ Ai tricolor colar'. Mas cantada, é linda. Poesia e música se fundem em alguns casos". E conclui: "Queremos trazer esse debate aos compositores potiguares. Pecamos muito porque queremos terminar uma composição. O assunto é vasto".
Fonte: Diário de Natal – Muito - Edição de domingo, 17 de outubro de 2010
Nota do blog: O jornalista Sérgio Vilar está certíssimo quando enaltece o trabalho do potiguar Babal. Apenas discordo quando ele, se referindo a “Tomorow is a long time”, composição do Bob Dylan versionada por Babal, incluída na trilha sonora da novela Araguaia na voz do Zé Ramalho seja fiel ao ritmo original. A gravação de Dylan consta apenas numa coletânea do cantor “Bob Dylan's Greatest Hits, Vol. 2” do ano de 1971, e é bem mais lenta. A gravação do Geraldo Azevedo, do álbum A Luz do Solo essa sim, é mais parecida com o ritmo original da canção.
Certa vez encontrei o Babal em Natal e o cara foi muito atencioso. Conversamos sobre Bob Dylan e ele na ocasião me mostrou várias versões que havia feito para canções do compositor americano. Quando o CD/DVD do Zé Ramalho em que ele interpreta Bob Dylan saiu, eu até pensei que pudesse ter mais versões do Babal. Mas as que saíram no álbum foram suficientes para mostrar o cuidado que ele tem em manter-se fiel à composição original. Quero lembrar também que Babal já participou conosco de um dos primeiros tributos a Raul Seixas e na oportunidade ele cantou Knockin’ On Heaven’s Door, clássico do Bob.
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