“...Mas eu vim de lá da roça
e não consigo me acostumar.
Sinto saudades da minha cidade
e da minha gente que ficou por lá.”
(Eu vim da roça – Fernando Mendes)
É difícil ser um santo na cidade
Esse é o título de uma música do cantor americano Bruce Springsteen. Essa semana eu tive que recorrer a ela para uma ligeira comparação. Eu explico. Era segunda-feira, e começamos o dia, como sempre, “na batalha do tranco”. Minha filha precisava abrir uma conta bancária para receber uma bolsa, fruto de um trabalho desempenhado na escola que ela estuda. Cheia de vontade e esperançosa se dirige à agência da Caixa Econômica. Lá, foi orientada a se dirigir a Loto e abrir um tipo de conta simples, feita somente naquele estabelecimento. Chega lá, pega uma fila daquelas e haja esperar. Quem espera sempre alcança! E é preciso acreditar. Também, como diz o poeta Drummond: “resta a espera que sempre é um dom!” Enquanto isso, pai coruja que eu sou, mesmo no meu trabalho naquele momento, passei a monitorar cada passo da sua maratona, via celular. Não satisfeito, fui lá pra dar uma força. Fiquei ao seu lado, naquela fila que quase não se mexia. Diz um velho ditado que “o diabo quando não vem, manda o secretário.” E não é que é mesmo! A gente naquela espera infindável pela nossa vez que nunca chegava, e eis que chegam dois cidadãos, moto-taxistas por profissão, e um deles fala qualquer coisa para uma senhora, a primeira da fila, e passa na frente, indo direto para o caixa. Uma outra senhora que estava bem mais atrás protestou, dizendo a funcionária que aquilo não podia acontecer.também me irritei e falei a mesma coisa. O rapaz retrucou dizendo que havia pedido a vez aquela “santa” senhora da frente da fila e ela tinha autorizado. Vê se pode! Aí eu lhe disse que ela podia ter autorizado, mas o restante da fila não. Para justificar a sua atitude ele então falou que estava “trabalhando”. Como se aquelas pessoas ali não fossem também trabalhadoras. Muitas das quais, assim como eu, até sacrificando algum tempo do seu trabalho. Resultado: prevaleceu o bom senso e a funcionária resolveu não cair na dele. Mas isso naquele momento, pois ficou com os papéis pra depois, com mais tempo, atendê-lo. Pensar que na semana passada, li no blog do professor Robsom uma reclamação sua a respeito de um desses profissionais que quase lhe atropela com sua moto. Pois agora foi comigo, professor. Quase também fui atropelado por um desses, e dessa vez sem a moto. Bem, chega enfim a nossa vez e a documentação é solicitada. Felizmente estava tudo ok. A moça mexe e remexe numas gavetas, procurando algo que não encontra. Depois de algum tempo regressa dizendo que o terminal estava sem “comunicação” para aquele tipo de transação. E lá vamos nós tentar numa outra agência a abertura da tal conta. Para nossa surpresa lá fomos informados de que para abertura de conta havia a exigência de um valor “mínimo” que para nós naquele momento era o “máximo”. Estava além das nossas possibilidades. Minha filha volta a Loto e pergunta se a “comunicação” já havia sido restabelecida. Foi informada que não. Eu que a essa altura já estava de volta ao trabalho, recebo um telefonema da minha esposa, aflita, dizendo que nossa filha estava se acabando no choro. E não era pra menos, vendo o sonho de ganhar o seu primeiro dinheirinho conquistado à custa de seus esforços, indo embora em meio a tanta burocracia, em meio a tantos entraves. Que país é este? Não é Renato? (O Russo). Com a frieza de um carrasco, respondi pra minha esposa, que já começava a perder a esportiva (não a loteria), para ela ter paciência e que a vida era dura assim mesmo e que a maratona da nossa pequena estava apenas começando. Mas também, com a sabedoria de um Druida, falei para terem calma, dizendo que eu ia resolver aquela situação. Como bom brasileiro “daria os meus pulos”. Tínhamos pouco tempo para repassar à coordenação da sua escola o número daquela bendita conta. Falei pra minha filha retornar à Caixa Econômica, que eu iria com ela e procuraríamos uma outra solução. Lá chegando, fomos bem recebidos, por sinal, a pessoa que nos atendeu ouviu a história da “falta de comunicação” e ligou para aquele estabelecimento para averiguar. A resposta que teve foi a de que não houve nada disso naquele dia, que tudo estava funcionando normalmente. E ai, tremendão, quem de nós ficou naquela situação do “pega na mentira”?! Final da história: a conta foi aberta na Caixa Econômica, minha filha voltou a sua escola, em Natal, e tudo foi resolvido. Ela por ser tão jovem reagiu muito bem a tudo que se passou. Eu não. À noite eu era um pecador desgraçado. Rancoroso e acabrunhado. Como aquele Dr. Paxeco da canção do Raul: “carcomido, iludido”. Recorri à canção do velho Bruce e constatei que realmente “é difícil ser um santo na cidade”. O jeito é tentar essa proeza numa outra encarnação. (Eliel Silva)
P.S.: Admiro muito quem com uma simples notinha diz tudo que tem vontade e denuncia as irregularidades desse nosso sistema. Eu não tenho esse dom, daí escrevo uma história longa como essa, só pra não morrer de tristeza.
Crédito da ilustração: Internet
2 comentários:
Pois é, meu pai. Visto isso, acredito que ainda vou passar por passar por muitas e boas. Mas uma coisa aprendi: quando minha família estiver comigo (o que sempre aconteceu) terei força para 'mover montanhas'. Voltei a cair no choro quando li sua narração, mas durante essa leitura me veio uma outra música do Renato Russo na cabeça: 'Tudo o que você faz um dia volta pra você e se você fizer o mal com o mal mais tarde você vai ter de viver.' (Boomerang Blues) E é essa a mensagem que eu deixo para os monstros que se julgam pessoas que (como disse meu pai) acham que podem fazer de tudo só porque nossa seleção ganhou mais um jogo. (Bel Silva)
Eu que já trabalhei em correspondente bancário (leia-se Correios) por mais de 5 anos sei como é difícil essa situação... Sempre procurei atender meus clientes com maior comodidade. Infelizmente havia situações que era impossível! Porém, nos diversos treinamentos corporativos que o funcionário tem que participar, bate-se bastante na tecla de não deixar o cliente sair sem ser atendido (e satisfeito, se possível). Porém, existem funcionários que só quer saber do "din-din" na conta do fim do mês e a população que busque uma solução... Coisas da vida!!!
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