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"Engolimos de uma vez a mentira que nos adula e bebemos gota a gota a verdade que nos amarga." Denis Diderot

terça-feira, 8 de junho de 2010

Crônica

"Bola na trave não altera o placar
Bola na área sem ninguém prá cabecear
Bola na rede prá fazer um gol
Como jogador
Quem não sonhou
Em fazer um gol e ser um jogador de futebol."
("É um partida de Futebol" de Samuel Rosa e Nando Reis)


UM SONHO DE BOLA


O garoto parecia está à vontade na condição que vivia. Preso na cadeira de rodas numa particular solidão que a falta de locomoção normal lhe dera. Aos dois anos de idade foi acometido por uma doença rara que o deixou sem andar. Alguns maldosos lhe diziam que os seus pais foram culpados por não procurarem logo a cura; outros diziam ser castigo divino, pois sua mãe era a figura mais orgulhosa da cidade. Nada disso justificava aquela situação. Não tinha rancor dos pais, pois eram ignorantes, não acreditava em castigos. Estava deste jeito e pronto. Não podia fazer mais nada. Passava horas lendo (na escola e em casa), via tv , mas era no vídeo game e na internet que as horas do dia passavam rapidinho. Tinha alguns poucos amigos com quem trocava prosas e só. Não tinha como acompanhar o ritmo da turma, seja nas brincadeiras mais simples ou numa ida ao cinema. Sua cidade, no interior, não dava qualquer chance a um menino que não anda. Não reclamava, pois sabia que nem nas grandes metrópoles os cadeirantes tinham satisfação plena para suas condições. Pois bem, quando a noite chegava vivia o seu melhor momento. Vinha o sono e com ele os sonhos com o futebol, sua maior paixão, talvez só comparada a que sentia por Rose, sua colega de classe que só falara com ele uma vez para brigar por ter atropelado seu celular importado com a cadeira de rodas. Aquele estado letárgico era o seu êxtase. Com a proximidade da copa deixara de jogar pelo Flamengo dos sonhos comuns para ingressar na Seleção. De Dunga, mas seleção. Mal fechava os olhos e a camisa amarelinha lhe caia bem. Tocava pra Robinho, Kaká, se sentindo o Neimar (sim, porque era sonho e cabia naquele time o craque que ele encarnava). Eram momentos sublimes, cheios de alegrias, de esplendor, de gols que ele marcava sem saber como, pois também nos sonhos não sentia as pernas. Chutava a bola certeira e fatal com pernas de anjos. De Garrincha, quem sabe. Gozando da intimidade dos colegas craques era carregado nos braços (pra que cadeira de rodas?) a cada gol, a cada vitória, já que disputava vários jogos em uma só noite. Sempre ganhando e, pasmem, recebendo abraços de um risonho e bem humorado treinador. Na torcida, sua mãe verdadeiramente orgulhosa. Orgulhosa dele. O pai louco socando o ar, como um desvairado Pelé, sem perder a chance de reclamar que ele ainda jogaria melhor se acompanhado do Paulo Henrique Ganso que o dono do time teimara em não convocar. Lá do campo dava pra ver também os poucos amigos que vibravam num misto de torcida e inveja. Uma menina em cadeira de rodas estava nas cadeiras numeradas acompanhada de pessoas e mimos. Tinha o rosto da moça da novela das oito. Era Rose. Rica, filmando seus lances pelo celular importado, mas infeliz. O jogador sem pernas ou de pernas de anjos ou de Garrincha era o herói de todos que ela queria com exclusividade. Uma pena. O craque decidira que depois daquela Copa do Mundo retornaria solitário para abraçar a sua paixão correspondida. Acordou e a luz do sol que vinha da janela denunciava a realidade. Tava na hora de enfrentar as barreiras do caminho da escola e da vida. Só veria Robinho e Kaká na tv, na estréia da copa que estava chegando. Não teria Neimar naquele time. Num canto do quarto com ar meio mucho a observá-lo estava a velha bola a suplicar um belo chute que não podia dar. Velha bola, sua paixão. A única que viera com ele dos sonhos.
Esta ficção é uma homenagem a todos que como eu, são fanáticos por futebol e Seleção. Boa Copa!
Paulo Roberto Gomes de França

3 comentários:

Euds Martineri disse...

Aproveitando o tema: ¨Poxa, show de bola!!!¨ Parabéns amigo Eliel pelo colaborador e o colaborador pela bela crônica!!!

ELIEL SILVA disse...

Pois é, meu camarada Euds. São pessoas assim como você, Paulinho e tantos outros que tornam os blogs tão interessantes. Crescemos todos juntos. Independente de fazer o gol ou não (a glória maior e reconhecimento de todos) só o fato de fazer acontecer, isso já é realmente um "show de bola". Parabéns pra gente!

Anônimo disse...

Como sempre Dr. Paulo surpreendendo. Parabéns pela ótima crônica. Me faz lembrar os bons tempos do Blog Chaminé.

Edvaldo Morais - Ceará-Mirim