Easy Rider
Corria o ano de 1970 e eu, em plena ditadura ufanista que comemorava a vitória do Brasil na Copa do Mundo e exortava aqueles que não amassem o país a deixá-lo – ao som de canções intrigantes e paradoxais que diziam coisas como Eu te amo, meu Brasil, Eu te amo -, já me ligava naqueles seres estranhos que surgiam pelas ruas vestindo jeans e usando cabelos compridos e desgrenhados. Eram os hippies.
Eu já conhecia os Beatles, o Roberto Carlos e o Jimmi Hendrix e percebia que aqueles seres de cabelo comprido que vestiam jeans compartilhavam alguma coisa com os cantores de rock. E se diferenciavam dos militares e dos guerrilheiros que também habitavam meu imaginário confuso de menino de dez anos de idade. De um lado o Che – apesar de belo como um ícone do rock -, imponente e ameaçador com sua boina, charuto e uniforme militar. De outro o Médici – apesar do sorriso de vovô gente boa -, frio e assustador como um tirano com seu uniforme igualmente militar.
Estranhamente, apesar dos militares e dos guerrilheiros (ou “terroristas” como o pessoal da direita gostava de chamá-los) ocuparem posições antagônicas, vestiam os mesmos uniformes e empunhavam as mesmas armas. E se comunicavam por palavras, tiros e porradas. Os hippies se apresentavam como uma terceira via. Se opunham à ditadura, mas preferiam brandir guitarras, ramos de flores e cigarros de maconha contra a ditadura. E cantavam. As palavras ficavam bem mais fortes cantadas do que faladas. E em vez do verde oliva dos uniformes militares, vestiam o azul libertário dos jeans. Ou assim me pareceu na época. Era a cabeça confusa de um menino de dez anos de idade, não percamos isso de vista.
Um dia minha mãe me falou de um filme americano que estava sendo muito comentado. E o definiu assim: um filme de caubói passado nos dias de hoje, em que os caubóis viajam pelos Estados Unidos não de cavalo, mas de moto. E nunca mais ninguém definiu melhor do que trata Easy Rider, a obra-prima de Dennis Hopper, ator e diretor americano que acaba de morrer. Dennis Hopper foi mais ator que diretor, e sempre brilhou em tudo que fez. Mas dirigiu um filme que mudou uma época e moldou outra. Será lembrado para sempre por esse filme hippie, sem o qual não existiriam Win Wenders, Walter Salles ou Sam Sheppard. E sem o qual eu não existiria também. Obrigado, Dennis Hopper, por me fazer existir. E obrigado também, mãe, por além de me fazer existir, ter me explicado do que tratava Easy Rider.
DVD…
… Easy Rider, lógico, filmaço, com uma das melhores trilhas sonoras de todos os tempos.
Por Tony Bellotto Fonte: Revista Veja – segunda-feira, 31 de maio de 2010
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