AQUARELA DOS MENINOS
Vinha caminhando pela vida naqueles dias ocos que parecem parados, onde nada vai mudar e melhorar. Tava ruim a coisa prá mim e outros muitos. Minha casmurrice estava na esfera do imaterial. Não eram os abusos do torrão diário que me afligiam. O ego é que estava raso. Não conseguia entender o porquê de se programar tanta coisa e de repente tudo vem totalmente contrário. Estava miúdo, quase sumindo em mim. Aí ouvi vozes de crianças. Crianças cantando e tocando, num prédio próximo. Ensaiavam. Numa folha qualquer desenhavam um sol amarelo e com cinco ou seis linhas seria fácil fazer um castelo. Letra límpida, melodia divina. Parei para ouvir sem chamar atenção, pois diante daquele único adulto (além do maestro) aqueles pequenos poderiam sucumbir a timidez e interromperem todo o êxtase que me invadia. Tantos já disseram e nestes instantes mágicos se confirma: A vida é realmente bela. Fiquei sentado no batente da porta de frente prá rua, como já disse, não queria interromper aquela cantoria dos céus entoada por anjos terrenos mandados prá mim. E foram me dizendo que tiveram um sonho mais bonito da vida em que todos se preocupavam em encontrar saídas e foram ecoando La-la-la-ra-las que sufocavam a alma de forma gostosa. Quando dei por mim continuava a ouvir as músicas de forma mágica e milagrosa, já que o meu coral orquestrado tinha ido sem que percebesse. O sol era forte e até encontrei uma moeda ao meu lado. Talvez um transeunte me vendo ali naquela inércia, sem nada entender, achou por bem me oferecer àquela esmola. Deu até para comprar um picolé e aliviar a garganta, porque a alma estava refrescante e alegre. Segui o caminho de casa. Meu mundo tava melhor e mais compreensível, enquanto o mundo real parecia zangado nos enchendo de terremotos e temporais. Obama ainda nada clareou, o Haiti continua não sendo aqui, nem o Chile, nem a França, mas tremores existem, seja em João Câmara ou nos corações de falhas cruéis que nos fazem crer no apocalipse interior, porque, apesar do conforto, das luzes em forma de meninos que entoaram otimismo, elas também cantaram que um dia enfim tudo descolorirá. Caindo no lugar comum, a vida é bela, mas tem fim.
Dr. Paulo Roberto de França
Crônica inspirada nas músicas “Aquarela” de Toquinho e “A Guerra dos Meninos”, de Roberto Carlos e Erasmo.
Ilustrações: Eliel Silva (com recortes feitos a
partir de capas de velhos discos de vinil)
Notas musicais: Internet
5 comentários:
Excelente crônica, meu amigo Paulinho. O poeta está de volta! E essas crianças tão reais nos trazem novas esperanças.
Abraços,
Eliel
Parabéns!!!!
A vc Eliel pelo blog!
E ao Dr. Paulo, pela bela crônica.
Abraços,
Marcell Souza
Eliel, parabéns pelo excelente blog!
Parabéns ao Dr. Paulo pelo belo texto, que estava nos fazendo tanta falta!
Abraços,
Jadson Queiroz
Quero agradecer, em meu nome e em nome do amigo Paulinho os comentários do Marcell e do Jadson. Obrigado pelas palavras e pelo acesso ao blog. Esse espaço é nosso! Eliel Silva
Dr.Paulo Roberto sempre surpreendente nos seus escritos. Que venham outras, como no tempo do extinto Blog Chaminé. Parabéns!
Edvaldo Morais
Ceará-Mirim
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