Os Mortos Agradecidos
"Eu não sigo rabinos, pregadores, evangelistas, nada.
As músicas são o meu léxico, eu acredito nelas."
Bob Dylan
O que a gente não fez, nos primórdios daquele movimento underground, pelos palcos da vida só para poder tocar o bom e velho Rock ‘n’ Roll? Numa daquelas noites de domingo, do ano de 1990, com a maior cara de pau enfrentamos a platéia que lotava o Ginásio de Esportes Aderson Eloy de Almeida (o Palácio dos Esportes) para ver as atrações do programa O Domingo é Nosso, apresentado pelos bambas da comunicação Etevaldo Alves e Johnny Som. Ousadia era o que não faltava para aqueles “garotos” sedentos por aquele som que estava longe de ser tocado nas rádios e nos bares da cidade. E assim, naquele domingo que também foi “nosso”, eu, Giancarlo, Emanoel e Nêm decidimos encarar o público para mostrarmos o som despojado do fictício grupo Os Mortos Agradecidos.
De cara, quase que fomos barrados pelo proprietário da banda Raio de Luz, responsável pelo som naquela noite, pois ele temia pelo estado de conservação dos instrumentos da sua equipe, após serem usados por malucos de um grupo de rock. Foi preciso muita conversa para convencer o cara de que o nosso rock era maneiro, que não causaria nenhum dano ao seu equipamento de som. Chegou a hora da apresentação e o comunicador Etevaldo Alves, empolgado com aquela novidade, ao invés de anunciar o grupo como Os Mortos Agradecidos, gritou para o público: “Com vocês, Os Mortos Desconsolados!”, assim dificultando ainda mais a compreensão do público sobre aquele nome estranho de banda.
Foi uma farra. Até hoje eu brinco com ele, exigindo uma correção para aquela apresentação. Falo pra ele que um dia a gente repete o show para que o nome do grupo seja pronunciado corretamente. Tudo foi e será sempre apenas uma brincadeira. Não dava pra levar nada a sério naquele começo de tudo. Na verdade a gente surrupiou aquele nome da banda de rock estadunidense The Grateful Dead. Mas foi divertido aquilo tudo. De ameaçadores, passamos a ser ameaçados. Pra começar, a guitarra que o saudoso Cristóvão emprestou a Giancarlo estava faltando uma corda. Cristóvão só podia ser muito bom mesmo para tirar um som perfeito, como ele fazia, num instrumento capenga como aquele. A bateria era daquelas eletrônicas, muito usadas na época, e que não tinha nada a ver com o som do puro rock and roll. Mas Emanoel (filho do saudoso Etewaldo Santiago) mandou ver mesmo assim. Nêm, no contrabaixo, sem ensaio nenhum, pegando tudo na hora, deu umas chicotadas nas cordas, improvisando uma performance de roqueiro. Eu, tentando me esconder daquela maluquice, peguei uma velha e surrada capa de frio que o meu pai usava no trabalho, meti nesse meu corpo atlético, e ela quase me encobriu. Pra completar, usei também um chapéu meio amassado. Um verdadeiro papangu fora de época. Com meu violão e a minha gaitinha ajudei a turma a atacar com Walk of Life, do Dire Straits, para em seguida buscar nossa purgação ou condenação definitiva, tocando All Along The Watchtower, de Bob Dylan: “Deve haver maneira de sair daqui, disse o bobo ao ladrão, há demasiada confusão, não consigo estar tranqüilo.” Naquela noite voltamos pra casa felizes, orgulhosos daquela proeza, mas também com a certeza de que ninguém ali entendeu foi nada.
3 comentários:
Valeu amigo. Parabéns pelo blog e pelo causo musical. Um abraço e que Deus o ilumine nessa tarefa de informar as coisas de nossa cultura.
Obrigado, Lúcio Som! Você é que tem histórias pra contar, rapaz! Vamos juntos escrever esses "causos". O povo precisa saber de casos verdadeiros, leves, bons de serem lidos e ouvidos. Abraços! (Eliel Silva)
Eliel, nessa época já trabalhava com cerveja, deu um trabalho danado colocar uma placa luminosa dependurada no palácio dos esportes (aparece na foto). O texto ta ótimo! Um abraço!
Rossine Cruz
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