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"Engolimos de uma vez a mentira que nos adula e bebemos gota a gota a verdade que nos amarga." Denis Diderot

segunda-feira, 9 de julho de 2012

A minha alucinação


“É triste ver que tudo isso é real
Porque assim como os poetas
Todos temos que sonhar.”
(“Movido a Álcool” –
Raul Seixas / Oscar Rasmussen)


Parem o carrossel!

Naqueles tempos eu torcia para ir à capital. Sonhava com esse dia. Carros de passeio eram poucos por aqui. Apenas duas empresas de ônibus faziam a linha Ceará-Mirim/Natal/Ceará-Mirim. E eu queria saber qual era o horário do “magirus”. Aquilo sim é que era ônibus. Com aquele motor na traseira, superpotente, o seu ronco era o máximo. Eu ficava admirado como um homem tão magrinho conseguia conduzir aquela máquina. Raimundo era um motorista e tanto. Acontecia de algumas vezes ter que encarar o 21, aquele famoso (que era como se fosse a moedinha número 1 do Patinhas), e que já era a cara de Chicó, o seu cobrador. Vivi assim as minhas emoções de idas e vindas naquela estrada de paralelepípedos. Na capital o clima era bem mais ameno, não tinha tanto asfalto, o trânsito fluía naturalmente. Eu era um pré-adolescente sonhador! Tinha também alguns famosos daquela outra empresa. Um deles, por dentro, até parecia um avião. Mas tinha também uns caras chatos trabalhando ali, e eu achava melhor esperar outro horário. Um dia, e eu me lembro bem, peguei um daqueles, lotado, em que as pessoas que ficam em pé preferem todas a dianteira do veículo, e fica então aquele inchaço. Mas logo o daquele motorista abusado, que parecia estar sempre de mau humor. Chegando já na saída da cidade, o cara parou, desceu do carro, sentou-se no banco de uma daquelas paradas e falou que só entraria no ônibus quando “ajeitassem a carga”. Era só o que faltava, éramos ali uma carga para ele. E pelo jeito uma carga não tão preciosa assim. Os passageiros se “acovardaram” diante daquele veredicto. Ajeitaram-se como puderam e o valentão resolveu partir. O tempo passou, assim como o vento, assim como a vida, assim como tudo passa.  As coisas mudaram, mas não tanto pra melhor. Ainda sofremos as consequências de uma cidade desorganizada e mal servida no tocante ao transporte de pessoas. Se você não tiver um carango (hoje quase todo mundo tem!) e precisa se aventurar nessas bestinhas ou micro ônibus para viajar, com certeza passa por poucas e boas. Eu que o diga. As vezes pego aqueles pequenos ônibus, na parada do antigo cinema, na capital. Quando consigo um lugarzinho até que é bom. O motorista dá partida e eu fico feliz. Nada melhor que voltar pra casa, depois de tantas andanças pela cidade grande. Mas a minha alegria dura pouco. Percebo que o carro em pouco tempo volta ao mesmo local que eu estava. É que eles, os motoristas, não sei se para cumprir horário ou para pegar mais passageiros - como se no trajeto os que com certeza vão aparecer já não fosse o suficiente para lotar aquela latinha -, ficam dando volta feito carrossel. Não tem jeito, seja no passado ou no presente, a gente parece que vai ter que conviver com esses abusos. Vou sonhar um pouco com a melhora em todo o trânsito. A copa de 2014 vem aí. E eu quero ver tudo fluir de forma brilhante, como nas grandes capitais de países de primeiro mundo. Quero ouvir bem próximo daqui o som dos grandes aviões trazendo seleções de países estrangeiros para jogar pertinho da gente. Quero ver o progresso acontecendo por aqui e sendo mostrado para o mundo. Eu ali, diante da minha TV, grande e bem fininha, vou me sentir um sujeito moderno. Adeus 21, adeus magirus, adeus bestinhas. O futuro já chegou aqui também. E por favor, não me acordem!

Eliel Silva – julho/2012
Imagem: Internet
“A minha alucinação
É suportar o dia a dia
E meu delírio
É a experiência
Com coisas reais...”
(“Alucinação” – Belchior)

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