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"Engolimos de uma vez a mentira que nos adula e bebemos gota a gota a verdade que nos amarga." Denis Diderot

terça-feira, 5 de junho de 2012

Por toda vida


Fique assim, meu amor, sem crescer,
Porque o mundo é ruim, é ruim, e você
Vai sofrer de repente uma desilusão
Porque a vida somente é seu bicho-papão.”
(“Valsa Para Uma Menininha” - Toquinho)
O bicho papão

Na minha infância, ele era uma persona non grata que "aparecia" quase sempre nos meus melhores momentos. E ainda ouvia alguém dizer, quando queria me por quieto ou de certa forma me punir de alguma travessura: “o bicho papão vem lhe pegar!” Na adolescência não dei muita bola para esse personagem. Eu tinha testosterona de sobra que me mantinha aceso, e afugentava qualquer monstrinho que aparecesse em meu caminho. A vida seguiu. Cresci, amadureci (quase envelheço). E não é que o tão bicho papão resolveu aparecer. E o danado veio mais feroz, aterrador, querendo me devorar. Nas noites sozinho, nos dias frios, na solidão, eis que ele me aparece. Me busca a alma, machuca, judia. E é como aquela ferida “que dói e não se sente”, dor que “nem todos os unguentos vão aliviar”. Já o batizaram de vários nomes. Ele causa arrepios no corpo e na alma, deixa o sujeito cabisbaixo, sem motivação. Dizem que há tratamento que ajuda a enfrentar o bicho, mas que é preciso muita força de vontade por parte da vítima desse monstro. Tenho lutado contra ele, as vezes até me faço de bobo, fingindo não estar nem aí. Mas ele agora é tão real (mesmo sem enxergá-lo), tão presente (até onipresente, as vezes!), mais apavorante. Mesmo sem ninguém para me ameaçar, dizendo que ele vem me pegar, sempre o imagino chegando. Também, aquela testosterona ficou mirrada, foi se desgastando com o tempo. Bom, se bem que, para ele atacar, não importa mais idade nenhuma, não importa o tempo de vida do sujeito. Conviver com esse monstrinho agora é minha sina. Se tomo um vinho, porque ora estou alegre, ele me avisa: te encontro amanhã, quando a euforia passar. Sinto saudade dos tempos em que o tal bicho papão era apenas um fruto da imaginação coletiva de um povo.
Créditos:
Texto: Eliel Silva
Imagem: Internet

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