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"Engolimos de uma vez a mentira que nos adula e bebemos gota a gota a verdade que nos amarga." Denis Diderot

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Estória triste de uma infância


"Conheci as torres e os cemitérios
Conheci os homens e os seus velórios
Quando olhava da janela lateral
Do quarto de dormir."
(Paisagem na Janela - Lô Borges/Fernando Brant)


Crianças de ninguém

O que fazer numa tarde pálida
sem diversão nenhuma, numa cidade tão triste.
E a gente buscava se entreter no cemitério.
Eu gostava mais dos túmulos azuis,
ela preferia os túmulos brancos.
O tempo passava e a gente nem sentia
a noite se aproximar.

Descrevíamos em grafite no muro do quintal
cada peça da nossa coleção.
E a gente vibrava a cada nova “morada”
que os ricos mandavam construir.
Assim, eu e minha amiga, de olhos claros,
de cabelos longos e castanhos,
de sentimentos iguais aos meus,
encontrávamos em nossa brincadeira inocente
uma razão pra viver.
Naquelas tardes pálidas, de uma cidade triste,
num cemitério distante.

Até que um dia ela partiu, e eu chorei a sua falta.
Nunca aceitei o que lhe fizeram;
deixá-la sozinha naquele chão tão frio,
ela que tanto gostava dos túmulos brancos,
enquanto eu preferia os azuis.
Mas quando se é tão pobre somente a terra
não rejeita o abraço.
E ainda choro por ela que hoje se mistura com a areia fina.

Oh, amiga! Por que foste partir?!
Eles te puseram onde não querias
e eu nada pude fazer.
Será que ainda te restam os longos cabelos castanhos?
Ou será, amiga, que de ti nada mais eu terei?
Sai dessa lama e vem vagar comigo por aí...
A cidade continua vazia, muita gente está partindo,
e há novas campas a descobrir...

(Eliel Silva / 1985) 
Imagem: Internet

Um comentário:

Anônimo disse...

Belas palavras... Sentimento profundo!! Gostei muito! Parabéns pela inspiração amigo!

Ass: Vâninha Simião