O texto a seguir é uma salada originada a partir da música Mundo Bom, da autoria de Agepê e Canário, interpretada pelo próprio Agepê. Ainda foram usadas na receita as músicas Roda Viva, de Chico Buarque, Fora de Ordem, de Caetano Veloso, e Êta Mundo Grande, de Martinho da Vila. Chico, Caetano e Matinho, creio, dispensam apresentações. Quanto a Agepê, algumas palavras são necessárias. Antonio Gilson Porfírio, mais conhecido como Agepê, nasceu no Rio de Janeiro em 10 de agosto de 1942 e faleceu em 30 de agosto de 1995. Sambista de primeira categoria, dono de um repertório eclético e bem escolhido, teve em Canário seu grande parceiro nas composições. Entre seus grandes sucessos estão: Menina dos Cabelos Longos, Deixa Eu Te Amar e Moro Onde Não Mora Ninguém. Um artista digno dos aplausos que recebeu.
As frases em destaque são trechos literais extraídos das músicas citadas.
Vamos ao texto e boa leitura. Espero que saboreiem o prato.
Mundo Bom
É noite. Ando pelas ruas de uma Campinas fria e nua. As mãos não ousam sair dos bolsos do agasalho. Imagens desconexas surgem em minha mente, algumas côncavas outras convexas. No caos organizado de minhas idéias ouço a voz suave e macia de Caetano. Não dou bola. Prossigo. Ele insiste:
_ Ei, alguma coisa está fora da ordem, fora da nova ordem mundial. A coisa parece que se tornou mais grave. Alguma coisa está fora da ordem emocional.
_ Cara, e eu com isso? – Pergunto.
_ Acorda! Sai do reino da fantasia. Você faz parte disso tudo. Eu faço parte disso tudo. Nós fazemos parte disso tudo.
_ Ah, me deixa em paz, vai. Só quero curtir o frio da noite numa cidade nua. Não me venha com comidas indigestas!
De repente, não sei como, surge por entre as árvores da praça, Chico Buarque montado num cavalo alado, com sua fala suave, porém, firme:
_ A gente quer ter voz ativa. No nosso destino mandar, mas eis que chega a roda viva e carrega o destino pra lá.
Num passe de mágica o tempo roda, num instante, nas voltas do meu coração. Rodou o mundo, rodou o moinho, rodou o pião, na palma da minha mão. A cortina fechou e abriu rapidamente. O cenário mudou e eu estava à beira de um rio onde corre leite e mel. Ao meu lado, vestido de branco, estava um Agepê tranqüilo e sereno. Cantava com a autoridade de um profeta a clamar no deserto. A mensagem em forma de música se misturava às minhas próprias reflexões.
Eta, mundo velho e bom, bonito, colorido, boa praça.
O mundo nasceu assim. Um paraíso feito para o homem. Imagina o Brasil quando do descobrimento! Que cenários paradisíacos que não deveria ser isso aqui! Milhares de quilômetros de Mata Atlântica! Puro verde. Verde-mar! Fartura de alimentos puros e saudáveis. Sem agrotóxicos. Sem trans qualquer coisa. Coisa de Adão Eva. Mas, daí veio às maças envenenadas da ambição desmedida, da corrupção desenfreada, do lucro a qualquer custo... E o que era paraíso está virando inferno. Que pena! Mas ainda há tempo de salvar este santuário chamado terra. È hora de uma tomada de consciência. E, normalmente, sem querer dar uma de super-herói, a gente consegue. Ah, se consegue!
Atrás do lado feio da vida há coisas lindas pra se ver. Quero ver.
Enxergar o sol no meio da tempestade. Não deixar a peteca do otimismo cair. Bola pra frente. É uma atitude a ser adotada por todos nós. Afinal como diz Martinho da Vila, na música Êta Mundo Grande “Eta mundo grande, cheio de beleza,com esta imensa natureza, que o Bom Deus criou, esse mundão foi feito pra se vadiar, mas o que vale nesta vida, é o que se faz, o que se sonha, e o que se ama”. Mas aí, moçada “vadiar”, vai aí, no sentido de brincar, se divertir, vamos com calma, ok?
Gira mundo, vai girando, roda mundo vai rodando, roda gira, gira roda, me leva pra qualquer lugar. No eixo do meu dia-a-dia te deixo me fazer cantar.
Pois é, às vezes da vontade de pegar a roda vida e fugir nela pra bem longe. Sabe aquela estória tipo ilha deserta? Porém, realidade rima com gravidade, prende os pés da gente no chão. Que chato! O jeito é fugir para o universo da música e apreciar a constelação dos sons.
Tem gente que não entende que a vida é feita de açúcar e sal, de chuva e sol. Quem sabe arrancar o veneno do peito e sair satisfeito por aí, faz da vida um carnaval.
É amigo, pensa que a vida é só melzinho na chupeta, ramalhete de flores, etc e tal? Que nada! Também tem espinhos, pedra no caminho, tem bofetada na cara, tem as tais das decepções, tem lagrima chorada. Não é mole não! Mas não precisa fazer estoque de veneno no peito por causa disso. Você será vítima dele se assim fizer. Ao contrário: bota uma roupa bonita, um perfume cheiroso, dá aquela levantada na auto-estima e vem pra roda de samba, ou vai pra Maracangalha. Você decide. O importante é estar bem!
Agepê subiu. E eu voltei às ruas de Campinas corri atrás de Caetano. Enquanto ele desaparecia em uma esquina, ainda foi possível ouvi-lo dizer:
Eu não espero pelo dia em que todos os homens concordem. Apenas sei de diversas harmonias bonitas, possíveis, sem juízo final...
Fiquei ali, parado naquela esquina, pensando: realmente, alguma coisa deve estar fora da ordem...
José Flávio
Campinas/SP
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