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"Engolimos de uma vez a mentira que nos adula e bebemos gota a gota a verdade que nos amarga." Denis Diderot

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Lá em Campinas


Sonhos, bandeiras e águias

Por José Flávio (colaborador)

Ando pelas ruas do centro de Campinas, cidade do interior paulista, distante cerca de 90 km de São Paulo, capital. Faz uma bela tarde de sol.
O centro da cidade está nervoso e agitado, como são agitados e nervosos todos os centros de todas as grandes cidades.
Apressadas, milhares de pessoas circulam pelas ruas. É o ritmo frenético da vida moderna. Que me desculpem os que criticam o progresso, mas há certo charme em tudo isso. Os motoristas mais nervosos buzinam ao volante. Contagiados por tamanha correria, não há mais paciência de esperar o sinal abrir. Ainda bem que existem os sinais de trânsito para colocar um pouco de ordem em toda essa desordem.
Fala-se muito da violência e das desigualdades que, iguais a ervas-daninhas, foram, discretamente, invadindo o jardim florido. Ganharam espaço e tornaram-se calo nas mãos de quem administra e de quem usufrui desse jardim. Por causa dessas ervas-daninhas, os grandes centros perderam um pouco da poesia.
Deixemos de lado as ervas-daninhas. Não desejo tratar delas nessa crônica.
Trato dos sinais de vida que despontam em meio a toda a agitação envolvente do centro da cidade. Há um sabor de intensidade em tudo isto. E, quando penso nisso, não pretendo me referir aos planos mirabolantes, à adrenalina que pulsa nas veias daqueles que se entregam aos esportes radicais, fazendo bem ao corpo e à mente. Nem falo da intensidade da emoção de entrar na jaula de um leão sem ser domador. Isso nem seria emoção intensa, seria estupidez mesmo.
Falo de gestos simples captados pelos meus olhos; em meio à multidão que sobe a Avenida Francisco Glicério, um casal de mãos dadas a sorrir: a evidente inocência da criança que, alheia ao movimento, saboreia um delicioso sorvete, enquanto alguns pingos do creme escorrem pela sua camiseta: a centenária Catedral de Campinas, rodeada pelas casas de comércio, me lembra que nem só de pão vive o homem.
Sinto vida nas pessoas caminhando ao meu lado. Da mesma forma que eu, elas têm sonhos e a esperança de realizá-los.
Olho para o alto de um edifício, e meus olhos divisam a imagem de uma flâmula verde, amarela, azul e branca que baila altiva ao sabor do vento. A simbologia manifestada traduz bem o que penso. Quatro cores retratam os anseios de paz, esperança e prosperidade, não apenas da gente de Campinas, mas de todo o povo brasileiro. Lindo pendão de esperança que se ergue soberano acima de nossas cabeças, como uma mãe gentil estende seu manto por sobre os filhos.
Olhando a bandeira que se eleva sobre a multidão apressada, lembro-me dos filhos desta pátria que se sublimaram ao cotidiano e alçaram vôo aos céus da glória. Como grandes águias, voaram alto, muitas vezes pairando em terras estrangeiras, erguendo o nome do nosso Brasil. Brasileiros tão grandes quanto a saudade de sua pátria que os consumia e devorava dia e noite.
Uma emoção me invade o peito ao lembrar que, nessas ruas por onde, caminho no momento, abarrotadas de gente e de automóveis andou, em passado distante, um adolescente assobiando melodias e marcando compassos. Campinas era conhecida, então, como Vila de São Carlos. O jovem a que me refiro era Antonio Carlos Gomes, ou simplesmente, Carlos Gomes. O jovem talento bebia nas fontes dos grandes mestres. Pensava em tornar-se um excelente músico. E conseguiu. Tonico como era carinhosamente chamado pelos amigos e familiares, não nasceu em berço de ouro; ao contrário, veio ao mundo em um lar simples e humilde, em 18 de Julho de 1836. Seu talento para as composições começou cedo: aos 18 anos compôs a Missa de São Sebastião. Ainda na mocidade fez composições mais próximas do popular: a modinha Quem Sabe? E o Hino Acadêmico, que o tornaram popular entre a juventude estudantil. As tramas do destino o levaram ao Rio de Janeiro. Lá compôs sua primeira ópera: A Noite do Castelo. Depois estreava a segunda ópera, Joana de Flandres: obteve grande sucesso nas duas empreitadas. Reconhecendo que estava diante de um grande talento, o imperador D. Pedro II lhe concedeu uma ajuda de custo para que pudesse aperfeiçoar seus dons musicais no exterior. Carlos Gomes escolheu a Itália. Brilhou com grande intensidade nos grandes teatros daquele país.
A ópera O Guarani(1870), baseado no romance homônimo de José de Alencar, foi um marco em sua carreira. Houve outros grandes sucessos também: Fosca (1873) Salvator Rosa(1874) e Maria Tudor(1879), Lo Schiavo(1889) e Condor(1891). Em 1892 compôs sua última obra: o belo poema vocal sinfônico Colombo. No fim de sua vida não teve o reconhecimento que merecia em sua própria pátria. De volta ao Brasil foi meio que deixado de lado. Por que? Coisas de política... Carlos Gomes tinha afeição e amizade para com o imperador D. Pedro II e a recíproca era verdadeira. Agora D. Pedro fora deposto e os republicanos estavam no poder. “Sabe como é, né? Esse cara era amigo do imperador. Melhor deixar ele de lado”. Que pena! Deixaram um gênio da música clássica. Um regente de primeira linha. Não encontrando apoio em Campinas, sua terra natal, foi acolhido em Belém do Pará aonde veio a falecer em 16 de setembro de 1886. Após a morte seu corpo foi trazido para Campinas, sua cidade natal, onde se encontra sepultado em um monumento-túmulo na praça Bento Quirino, no centro da cidade.
Poder-se-ia dizer que a vida de Carlos Gomes foi um drama tendo como palco a Monarquia. Foi entre escravos e senhores, nobres e plebeus que Carlos Gomes deu vazão a seu talento para composições.
Hoje, em algum lugar deste país, deste solo verde-amarelo, sob este céu azul e branco, devem estar nascendo outras águias. Que elas ajudem a difundir, com tinta de ouro e prata, a cultura, esse elo que contribui para unir povos e nações num só objetivo: a busca do belo e o respeito às diferenças.

Fotos: internet

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