Alguns boletos para pagar e uma dorzinha de cabeça. Preciso
ir à farmácia mais próxima, mas antes passo no banco. Nenhum dinheiro nos
caixas eletrônicos, mas os boletos são bem-vindos. Por perto, nenhuma farmácia
aberta também. Vou subindo a avenida e, - pasmem os senhores! -, me deparo com
dois animais pastando solenemente na praça do mercado. Deitado num banco,
moribundo e sem boletos pra pagar, sem compromissos para a segunda-feira e sem
dor de cabeça também, um homem dorme com o seu cheiro de caranguejo. Chego à
farmácia e a moça me atende. Desço quase satisfeito. E pensar que um telefonema
certeiro, ou a sorte grande num bilhete resolveria tudo (ou quase tudo).
Vivemos essa vida por um fio. (Eliel
Silva. Domingo, 10.12.2017)
A espera é para todos e eu segui à risca.
Motoristas conversam, fazem suas graças,
barganham com os passageiros.
Eu preciso ir, mas não tenho tanta pressa.
Duas moças conversam sorridentes no banco de trás,
falam de planos para o futuro, sem "desesperar, jamais..."
A paisagem na estrada é que não me anima.
No céu, as nuvens prenunciam um mormaço,
e o chão parece em chamas.
Tudo tão seco, o mato, os riachos...
Na noite passada eu havia sonhado com um deserto.
Mas a fé me parece ainda acesa... e eu vou.
Ao passar pela minha cidadezinha o coração me aperta:
ruas de paralelepípedos, as calçadas altas, as serras, o velho açude.
Mas a outra cidade mais adiante estava deserta,
tudo fechado por lá.
Parecia "o dia em que a terra parou", do Raul Seixas.
Também é feriado e eu não sabia.
Vou voltar pra casa com a graça de Deus.
...
Já cheguei!
A paisagem e as lembranças ficarão guardadas em mim.
Por hoje a vida já me valeu,
e dessa vez eu nem precisei pegar o avião!
(Eliel Silva, 08.12.2017)