TREM DO ALÉM
Eu embarquei naquele trem meio sem querer. É que eu caminhava
sem destino, e uma pequena estação surgiu na minha frente, no meio do nada.
Ouvi um apito longínquo e era a locomotiva que deslizava sobre os trilhos de
uma estrada de ferro perdida. As portas se abriram e eu escolhi o último vagão.
Não sei porque, eu não tinha pressa nenhuma de chegar. Me acomodei por entre
aqueles passageiros que pareciam vindos de outras épocas. Alguém acendeu um
cigarro esquisito e a fumaça tomou conta do vagão. Havia um aviso discreto
que dizia: "É proibido fumar cachimbo, charuto ou cigarro de palha".
Mas isso era o de menos pois a locomotiva, aparentemente cansada e sem
manutenção, soltava uma nuvem de fumaça que se espalhava por todo o trajeto.
Onde esse trem vai me levar? As vezes eu me perguntava. Ouvi o som de um
instrumento de fole no vagão anterior ao que eu estava. Me levantei e caminhei
na direção da música. Um ancião tocou levemente no meu braço e falou: “Não vale
a pena!” Fiz um gesto com a cabeça, querendo lhe agradecer pelo alerta, mas
segui em frente. Desobedeci. Ali estava mais animado. Bêbados e prostitutas
faziam a festa no ambiente. Além de fumaça, ali havia bebida, música e
fantasia. Mas foi numa curva mais fechada que pude observar melhor, pela janela
aberta daquele vagão, a força motriz da composição. Ela avançando naquele mundo
desabitado, me levando para onde eu não sabia. Tinha mais alguns vagões até
chegar a máquina, e então resolvi passear por todos eles. Mais adiante, um
monte de almas cansadas foi o que eu vi. Trabalhadores, andarilhos, mulheres
destemidas, crianças mal cuidadas. Senti um desejo enorme de voltar atrás.
Pegar uma outra condução que não carregasse tanto mistério. Era tudo tão
estranho! Parecia que eu ia parar no inferno de Dante. Mas quando se está no
caminho, seguir é o que se tem que fazer. Àquela altura eu já não tinha ambição
nenhuma, nem vontade. Só me acomodei outra vez no assento, e dessa vez ao lado
de uma jovem muito bela, mas sem nenhuma intenção da minha parte. Tentei puxar
assunto, mas ela me pareceu longe dali. Só me falou: “A próxima estação é o fim
da linha.” Sem saber o que dizer, ainda perguntei: “E como se chama o lugar da
próxima estação?” “Terra de ninguém”, ela me respondeu. E se fechou com um ar
sisudo. Mergulhou num silêncio assustador. Em meio a um turbilhão de apitos,
aquele trem foi parando lentamente. As portas se abriram e as pessoas seguiram
os seus rumos. Parecia um desembarque num apocalipse. Ninguém me esperava e eu
segui adiante, sozinho e temeroso. O vento soprava suave e fazia um leve
barulho nas folhas de uns eucaliptos, e ainda trazia um cheiro forte de melaço
da cana cortada e esmagada há poucos dias. Eu não sabia, mas estava outra vez
caminhando para a casa do meu pai. Já era madrugada. Ali eu chorava em
silêncio.
(Eliel Silva - 29 de agosto de 2015)