"A amizade sincera
é um santo remédio,
um abrigo seguro.
É natural da amizade
O abraço, o aperto de mão, o sorriso..."
Renato Teixeira
Eu o conheci lá pelos idos de 1980. Jovem como eu, cheio de planos e de sonhos, e uma certa rebeldia discreta no agir. Seu sonho era ser ator. E Global. Até chegou a ir para o Rio de Janeiro aventurar uma colocação. Tempos difíceis. A concorrência era grande, pra variar. Voltou desiludido. Mas seguiu o seu caminho sonhando. Bateu muita bola com amigos em comum no campinho em frente ao cemitério. Mas o seu objetivo era ser ator. Atuou por aqui em algumas peças teatrais. Visitava sempre a casa dos meus pais, onde eu morava nos tempos de então. E foi numa dessas visitas, numa tarde, que me veio a vontade de escrever algo sobre ele. E assim o fiz.
Mas chegou o tempo de Joãozinho (Melo) batalhar algo mais real, deixar um pouco de lado a fantasia. A sua caridosa "tia" Luiza, que o acolheu, também já estava cansada. Foi quando arriscou um concurso público e para sua sorte, conseguiu um lugar. Foi ser vigilante. Mas a sua mente andava confusa. Tantas ilusões perdidas. Viciou-se em coisas ilícitas e começou assim o seu calvário. Por generosidade, alguns gestores o mantiveram no emprego, na prefeitura, mesmo ele não mais cumprindo com suas obrigações. Mas entenderam que se tratava de uma enfermidade grave. A sua mente estava em outra esfera.
E assim passou a perambular pelas ruas da cidade. Cajado na mão, barba longa, roupas surradas, olhar perdido no tempo... Por muitas vezes me esbarrei com ele, como nesse momento da foto, na rua Heráclio Villar. E eu me lembro que era fevereiro de 2020. A cidade estava deserta, mas nós estávamos a postos. E o tempo foi se passando. Ele foi se mudando de local de "pousada". Mas sempre que nos encontrávamos era aquele papo, as vezes meio desconexo. E então seguiu-se o silêncio. Onde anda Joãozinho?! Eu perguntava a pessoas que eu sabia ter alguma conexão com ele. Me diziam várias coisas: estava morando numa casa não sei aonde; estava internado, em tratamento. E o tempo foi passando veloz, feito um trem impiedoso. Um amigo um dia deu uma luz: procure saber no comando da Guarda Municipal, ele faz parte do quadro de funcionários. Certamente irão informar. E assim eu fiz. Me encontrei com uma amiga que faz parte da instituição e indaguei. Ela me disse que ele havia falecido. E que já fazia um certo tempo. Fiquei parado. Extasiado. Não tanto pelo acontecido, porque já era de se esperar, uma vez que ele se encontrava muito debilitado, mas muito me estranhou a ausência de um comunicado nas redes sociais. Tá certo, ele não era (como um vez sonhou) uma celebridade, mas era um ser humano, com um coração que batia como o de todos nós. O pano se fechou e eu não consegui acompanhar a atuação do meu amigo ator nesse seu último ato. Coisas da vida! Sozinho agora, na plateia e fora do tempo, vou aplaudir mais uma vez meu amigo Joãozinho, Melo, o ator, o profeta...
OH! MEU AMIGO
Oh! Meu amigo
Esse teu jeito tão simples de caminhar
Faz a cabeça desse teu fã que quer te acompanhar...
Oh! Meu amigo
As tuas vestes fazem vibrar todo o meu ser
E teus cabelos soltos ao vento
Na esperança me faz crer.
És a flor do cacto, planta do sertão
Que suporta a seca, esse bicho papão
És um rio que transborda lá no mar
Mas sem pressa de chegar.
Oh! Meu amigo
Essa mania de apertar a minha mão
E o som bonito dessas tuas sandálias
Arrastando a vida pelo chão.
Oh! Meu amigo...
(poema dedicado ao meu amigo Joãozinho Melo, o ator)
Eliel Silva, 01/01/1984
* João Maria Melo - Falecimento: 20 de maio de 2024.