-

"Engolimos de uma vez a mentira que nos adula e bebemos gota a gota a verdade que nos amarga." Denis Diderot

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Do Face XXVIII



O TEMPO E O VENTO

E por mais que aquelas paredes estivessem pintadas com cores vivas, tudo ali parecia ruínas nos corações. E quando eu me ajoelhava, tão desgraçado e só, humilhado e desiludido, naquela casinha, só pedia ao Senhor resistência. E contra todas as expectativas, ainda assim, sempre via uma esperança tardia. Tudo então foi acontecendo feito um rio que segue o seu curso, sem anúncio, sem alarde. Pois, quando eu cheguei naquele pequeno lar, doce lar, naquele fim de tarde, quando os ponteiros do relógio, tão magros, anunciavam a hora da Ave Maria, presenciei um silêncio de sepulcro. Mas o que houve com toda aquela corte? Me perguntei. E as suas tardes e noites de folia, que fim levaram? Naquele momento, sequer um pardal, já recolhido em seu canto, deu o ar da sua graça. Pássaros e gente, cabisbaixos, se escondiam não sei de que. O apocalipse ali chegou sem nenhuma anunciação. Mas quando eu, nas minhas preces, suplicava forças, uma voz interior me dizia: ainda vai chegar o dia! E eu na minha ignorância achava tudo tão distante e impossível... E quando ainda, na minha desgraça, em nome do progresso deles foram me quebrar as paredes, e ali eu me desesperei, a voz do vento que adentrava a casa me dizia: nada será para a vida toda! E a profecia se cumpriu. Hoje tudo mais parece uma ilha. À tarde, uma brisa por ali faz passeio. Desperta um antigo móbile esquecido. Ele que com o seu tinido, feito um mantra, me acalmava tantas vezes... Hoje não cabe a mim fazer julgamento da situação. Sei que o tempo jamais perdoa ninguém. Em minha vida, aprendi esperar, mesmo contra toda esperança. (Eliel Silva – Novembro/2015)

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Do Face XXVII


AVE...


Não quero dizer que foi engraçado, porque na realidade não foi, mas, no mínimo curioso. Eu estava, naquela tarde, numa fila enorme, buscando a remissão dos meus pecados, numa dessas agências bancárias aqui da cidade. Ora, chegaram algumas funcionárias de outra repartição pública, trazendo com elas um andor com a imagem da Virgem da Conceição e que, para aquelas senhoras, parecia bastante pesado. Pois bem. O horário de expediente externo já havia terminado naquele banco, a porta de vidro de acesso ao atendimento já estava fechada e de repente criou-se um impasse desnecessário ali. O guarda, pelo lado de dentro, olhou meio indeciso, ainda chegou a pegar nas chaves, mas talvez temendo ser chamado atenção, procurou um funcionário da agência, muito elegante por sinal, com pinta de galã, mas cara de Pôncio Pilatos que, ao ver o movimento atípico daquela ocasião, até franziu a testa. Acho que, sem informação do que se tratava - o ofício anunciando a visita da imagem talvez não tenha circulado ali tanto quanto as cédulas de real -, ele decidiu chamar seu superior, e lavou as mãos daquele caso. Definitivamente. Enquanto isso, aquelas senhoras esperavam la fora autorização para entrarem com o andor. E algumas menos devotas já reclamavam da espera e do peso. Eis que se vê um clarão, e aparece o gerente (o danado é bem alvinho). Educado e sorridente - aliás, os gerentes sempre se mostram mais simpáticos que alguns funcionários -, que fez finalmente a merecida recepção. Se dirigiram para uma outra parte do prédio, e o que se deu em seguida, se fizeram alguma oração, ou ao menos o sinal da cruz, isso eu não sei. Permaneci ali na minha fila, feito um verdadeiro penitente, e rezando, eu sim, para que o danado do caixa eletrônico fizesse a leitura do meu surrado cartão magnético, já que nos finais de semana, mesmo que a cidade inteira acorra para lá em romaria, nem por um milagre se encontra um centavo naqueles caixas. Mas naquela tarde eu fui abençoado. O saque foi realizado com sucesso. À noite, voltando do trabalho, lembrei que me faltava ainda fazer um pagamento. Não costumo ir às agências bancárias durante a noite. Já me basta o medo que me acompanha durante o dia. Mas dessa vez deu tudo certo, com as bênçãos de Nossa Senhora. Me admirei depois do medo que naquela noite não se apossou de mim. Naquela noite. Por uma graça, naquela noite apenas. (Eliel Silva - 04.11.2015)

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Do Face XXVI

"Eu já lhe falei de tudo,
Mas tudo isso é pouco
Diante do que sinto..."



Meu pai, eu não preciso de um dia específico para me lembrar de você. Por todo canto que tenho andado, eu te vejo, sinto o que ficou de você em mim. Os seus ensinamentos, o seu exemplo de pessoa simples e digna, a sua maneira leve de tocar a vida em frente, sem tantos anseios. E não foi usando terno e gravata, não foi escrevendo na lousa da nossa escola imaginária, coisa que aliás você nem conheceu, não foi usando desses artifícios que você me ensinou a praticar o bem, mas com as suas roupas surradas da lida diária, seu cheiro forte de suor impregnado na casa, quando você chegava do trabalho incansável. Cada palavra simples e carregada de tanta verdade nua, ecoava nas nossas paredes, e se armazenavam no nosso ser. Quero te dizer também que, pelo menos hoje, eu não vou visitar o seu túmulo, farei num momento mais sereno. Sei que não estás tanto ali, pois o que depositei naquela campa, numa manhã triste de janeiro, não foi necessariamente você, mas, parte sua. Foi o que restou de tantos anos de sofrimento em cima de uma cama. E não vou ser hipócrita a ponto de dizer que eu preferia que você estivesse ainda aqui conosco. Não, eu não queria. Não do jeito que você viveu naqueles últimos dias, onde somente os mais próximos, e por questão de necessidade, suportavam te ver naquele estado. Sei que estás com Deus. Impossível pensar de outra forma, visto que foste um homem tão bom, e ainda assim, por conta desses tantos mistérios indecifráveis da vida, ainda tiveste que “pagar” tão caro por longos oito anos. Se é mesmo como dizem, meu pai, a gente vai se encontrar um dia. Se não, o que vivemos juntos já foi suficiente para tornar-se eterno. Sua bênção, meu pai!...
(Ao meu saudoso pai Daniel Ferreira da Silva, um homem justo, um grande homem.) Eliel Silva - 02 de novembro de 2015.

Do Face XXIII

"Quero falar de uma coisa
Adivinha onde ela anda
Deve estar dentro do peito
Ou caminha pelo ar..."
("Coração de Estudante" - 
Wagner Tiso e Milton Nascimento)


MEUS CAROS AMIGOS...

Turma do 3º Ano de Agronomia - Escola Estadual Dr. Cristóvão Dantas (Colégio Agrícola de Ceará-Mirim) - Ano 1985. Hoje, mais que antes, eu me lembrei muito de vocês. Lembrei daqueles tempos, em nossa juventude, a gente sonhando o futuro. Tudo era fantasia. Preocupações quase nada. Talvez somente com o dinheiro da birita na sexta feira. Há dias eu venho enfrentando uma bronca trabalhista, e é bem por isso que a memória daqueles tempos me vem a tona. E me pego questionando: por que que eu não segui a carreira de técnico agrícola? Tava indo tudo tão bem, naquele tempo, eu cuidando de plantas e de bichos! Dentro da minha sacola, feita por minha mãe e pintada por mim, havia tantos sonhos e planos e cacarecos. Mas a necessidade me obrigou a mudar o rumo. E assim, por várias vezes eu me perdi no meio do caminho. Pra chegar aonde eu cheguei agora foi muito chão. Muito mais que aquela estrada de terra que eu tanto pisei, num indo e vindo infinito para nossa escola. Meu Deus, eu decidi lidar com gente, e bem parece que foi aí que me compliquei. Mas nessa altura da caminhada, não posso retroceder. Vou seguir em frente. Vou pleitear uma justa aposentadoria um dia (que espero não demore), e vou, de teimoso e de pirraça, voltar a lidar só com plantas e com bichos. Um beijo pra todos vocês, com cheiro de terra molhada! (Eliel Silva - 27.10.2015)